JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Para Pessoa (O Marinheiro), “Falar no passado – isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena”. Só que talvez não seja tão inútil assim. Em 01/01/1959, os guerrilheiros de Fidel Castro desceram da Sierra Maestra e tomaram Havana. Os Estados Unidos, pelo apoio dado por décadas a Fulgêncio Batista, haviam perdido um aliado. Com o embargo comercial que promoveram, a ilha passou a depender da União Soviética para (quase) tudo. Era a Guerra Fria que começava. Em novembro de 1961, os Estados Unidos instalaram, na Turquia, 15 mísseis nucleares Jupiter. E mais 30, na Itália. Com alcance de 2.400km, podiam atingir Moscou, o que não era possível desde o território americano. A URSS vivia período hoje conhecido como “Desestalinização”. Entendeu ter direito a um troco. E, em 14/10/1962, aviões V2 americanos fotografaram, na região de São Cristóvão, a construção de bases para ogivas nucleares. Ameaça grave, que dali podiam facilmente atingir Nova Iorque. Como resposta, os americanos planejaram invadir Cuba. Que jamais permitiriam mísseis tão perto. E Kennedy, preventivamente, decretou um Bloqueio Naval nos mares próximos. Com apoio da OTAN. Contra todas as regras do Direito Internacional.

Os navios mercantes de Kruschev, com as primeiras ogivas nucleares, foram interceptados. Seriam afundados, caso não voltassem. Começaram as negociações. E um acordo foi feito. A URSS não instalaria os foguetes em Cuba. E os Estados Unidos prometiam não invadir a ilha. Fosse pouco, também retirariam seus foguetes nucleares da Turquia. O que foi feito, logo depois.

A guerra nuclear do futuro não se fará com espingardas ou tanques. Mas pelos ares, com o arsenal nuclear. Hoje, a Russia tem 5.977 ogivas, contra 5.550 dos Estados Unidos. Os dois países, juntos, representam mais de 90% do total de armas nucleares do planeta. Ocorre que, disparados a longas distâncias, podem ser interceptados. Por isso a Ucrânia ocupa um espaço físico estratégico, nesse jogo. Que os atuais foguetes nucleares americanos, Cruisse e Pershing II, estão longe – em Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália e Turquia. E podem ser interceptados. Diferente do que se daria, caso estivessem na Ucrânia.

Não se pode, nem deve, apoiar qualquer guerra. É uma tragédia humanitária. E ninguém, aqui, defende Putin. Mas devemos reconhecer que sua posição estratégica, no cenário global, faz sentido. Como a de Kennedy fazia, naquele tempo. Diferente é que, na primeira crise, houve negociações. Os dois lados recuaram. E agora, não. Ao horror dessa guerra, ninguém é inocente. Como escreveu Miguel Souza Tavares (Jornal Expresso), “A coragem está na paz, não nos falsos heroísmos”. Que o bom senso prevaleça, esperamos. E, se comecei com Pessoa, vou também terminar com ele (Álvaro de Campos, Ode Marcial): “Tudo misturado com corpos, com sangue/ Tudo num só rio, uma só onda, um só arrastado horror”. Que o bom senso prevaleça, esperamos. Antes que seja tarde.

8 pensou em “CUBA / UCRÂNIA

  1. Guerra injusta, desumana e desigual. Enquanto a Russia joga xadrez, a Ucrânia joga bozó(dados) e espera uma jogada de sorte que não virá.

  2. O texto como sempre esta otimo, so não concordo com o termo Guerra, não existe guerra entre Russia e Ucrania, e sim uma invasão !!! Guerra seria se estivessem travando lutas em varias frentes no dois paises, é uma invasão !!! Quanto ao bom senso este ja foi perdido a muito tempo.

  3. Em relação à Cuba, eu fico a imaginar como um advogado branco de família rica (Fidel Castro), junto com pouco mais de uma centena de guerrilheiros, conseguiu dominar Cuba em 1959, com o consentimento dos EUA, que tinham autorização dada pela Constituição de lá para intervir, se necessário?

    Isso só faria sentido se os próprios EUA tivessem financiado e consentido tal aventura do Fidel.

    Até então, mesmo com a feroz ditadura de F. Batista, Cuba era considerada uma das melhores economias da América, tinha baixíssimos índices de mortalidade infantil, baixo analfabetismo, uma classe média pujante e bom índice de desenvolvimento.

    É evidente que havia muitas diferenças sociais e corrupção. Fidel acabou com tudo isso, pois a Ilha passou a ser dele, acabou com as diferenças sociais, ficando todo mundo na miséria. Seu maior parceiro comercial ainda são os EUA. Mesmo assim a maioria da população passa fome.

    Em relação à guerra e Armas Nucleares, eu tenho a visão de que a 3ª Guerra mundial só não veio logo após a 2ª, justamente pela existência de mísseis nucleares capazes de dizimar tudo nos 2 lados envolvidos. Estes 80 anos desde a 2ª GM é o maior período de paz mundial que este planeta já passou.

    Alguém poderia dizer que houve guerras nestes 80 anos. Sim, mas localizadas e entre países em disputa territorial. Nenhuma envolveu diretamente as maiores potências mundiais

  4. Dr. José Paulo como sempre, preciso.
    Que bom seria se a citação, que ele fez, do escritor Miguel Souza Tavares: “A coragem está na paz, não nos falsos heroísmos”. Fosse a bandeira, o motivo ou a razão principal para findar com todas as diferenças, megalomanias, alter-egos, egocentrismos e até mesmo as pretensões expansionistas entre os dirigentes mundiais.

    Seria a utopia das utopias, bem sei. Utópico também seria, se pudéssemos inverter o sentido da frase que o General romano Pompeu encorajava seus marinheiros (navigare necesse, vivere non est necesse). O poeta Petrarca reproduziu. E Fernando Pessoa (com sua devida “vênia Dr. José Paulo) imortalizou: “navegar é preciso, viver não é preciso”. Trocaríamos os verbos para termos um novo significado para a frase e talvez, só talvez, nao houvesse mais guerras.
    Êi-la: Viver é preciso, navegar não é preciso”. Só espero não causar nenhuma beligerância por parte deles, no além onde se encontram. Foi apenas um devaneio, pelo momento que enfrentamos (pensando em quantas vidas teriam sido salvas, se não houvessem guerras) sôbre uma frase tão marcante e antiga, pois foi proferida antes de Jesus Cristo nascer.

  5. Grato a todos. Apenas lembro, ao amigo Luís Carlos, que Pessoa nunca escreveu essa frase. Em minha biografia sobre ele, explico a confusão de como tudo se deu. Se não tem, e caso tenha interesse, mande endereço para meu e-mail, jp@jpc.com.br , que mando. Abraços.

  6. Muito obrigado pela sua correção e esclarecimento.
    Com certeza enviarei o meu
    e-mail, para receber essa prociosidade em privilégio.

    Sua bênção, Padre José Paulo.
    Abraços também.

  7. Muito boa a sucinta análise história e estratégica do padre José Paulo.
    De minha parte, que vi guerra assim apenas no cinema, a ocorrência dessa “guerra” injusta, absurda e desigual, foi um soco na cara.
    Achava que a humanidade, em pleno século XXI, estava suficiente desenvolvida e ciente para que não ocorresse jamais um evento deste nestas proporções devido apenas ao domínio geopolítico do mundo globalizado.
    Vemos agora que não. Ainda não estamos prontos para uma convivência mais pacífica no mundo global.
    O historiador Yuval Harari tem razão. Se Putin sair vencedor deste embate, o mundo civilizado dá um passo atrás e passará a investir muito mais em armamentos deixando de cuidar da redução da pobreza e do meio ambiente onde habita.
    Se sair perdedor, os investimentos em armamentos continuarão aumentando, de qualquer modo, para evitar ou enfrentar novos confrontos.

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