MARCOS MAIRTON - CONTOS, CRÔNICAS E CORDEIS

Estamos de volta a Brasília. Chegamos à Capital Federal na chuvosa manhã do dia nove de janeiro de 2023, a segunda segunda-feira do ano. Impossível escrever isso sem registrar que é o dia seguinte ao da invasão aos prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.

Parentes e amigos chegaram a me telefonar – ainda no domingo – perguntando sobre os acontecimentos em curso na Praça dos Três Poderes. Alguns ficaram preocupados, porque eu não atendia o celular nem lia mensagens.

Mas meu sumiço não tinha qualquer relação com os fatos em Brasília. Estava eu em outra aventura, com o celular em modo “não perturbe”, dirigindo meu carro ao longo da BR-040, entre os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Assim, só fiquei sabendo das invasões quando chegamos ao hotel em Paracatu, onde pernoitaríamos, para seguir em direção a Brasília na manhã seguinte.

Demoramos um pouco para entender o que havia ocorrido. Víamos os comentários e imagens recuperadas exibidos no único canal de notícias disponível da TV do hotel, mas era difícil crer no que estava sendo apresentado. Recorremos a canais do YouTube, redes sociais, mensagens de parentes e amigos, e fomos tomando pé da situação. Uma lástima!

Com as ideias já mais organizadas, lembrei de um parágrafo que havia escrito na crônica da semana anterior:

(…) as amplitudes brasilienses parecem não ser mais suficientes para proteger os detentores do poder estatal da pressão popular. Bem o demonstram as grades de ferro que há aproximadamente dez anos enfeiam a Praça dos Três Poderes.

Pensava eu, então, na pressão popular que seria natural haver neste ano e nos próximos, em face do governo atual, considerando o apertado resultado da eleição presidencial de 2022. Considerava também a possibilidade de protestos contra autoridades dos Poderes Legislativo e Judiciário, haja vista as notícias que nos chegam de insatisfações populares contra membros desses poderes.

Mas pensava sempre em protestos pacíficos, como outros que já haviam ocorrido. A invasão de prédios e a destruição do patrimônio público foi algo que me surpreendeu. E que me entristeceu e preocupou também.

Entristeceu, porque, vejo meu país enfrentando uma séria instabilidade política, que vem se arrastando há anos, causando sofrimento ao nosso povo. Preocupou, porque essa instabilidade política não parece arrefecer, mas, ao contrário, dá sinais de que pode se agravar mais ainda. Difícil, pra não dizer impossível, prever até onde iremos nesse processo.

Abstenho-me de fazer julgamentos – sejam morais ou jurídicos – das pessoas envolvidas nesses atos, bem como das autoridades responsáveis por prevê-los, evitá-los e combatê-los.

Escrevo aqui apenas como escritor. Não me compete julgar ninguém nesse caso. E, tendo já julgado e condenado muitas pessoas, em razão do meu ofício como magistrado, evito julgar casos que não me competem. Ao contrário disso, tento entender a atitude de cada um, para compreender o que ocorre à minha volta.

Encerro, assim, citando um tuíte que publiquei no dia 30 de outubro de 2022, pela manhã, ou seja, no dia do segundo turno da eleição para presidente, mas antes de saber o resultado.

Continuo pensando que o caminho seja esse. Cada indivíduo, cada líder, cada autoridade, cada membro de Poder reavaliar a própria conduta, no intuito de adequá-la a uma busca do equilíbrio, hoje tão necessário ao nosso país e ao nosso povo.

Penso, mas não creio que aconteça. Nesses dias difíceis, meu otimismo não é suficiente para tanto.

6 pensou em “CRÔNICA DE SEGUNDA-FEIRA: VOLTA A BRASÍLIA EM UM DIA ESTRANHO

  1. Quando os que deveriam agir não agem como esperado e previsto no ordenamento jurídico e, pior, rasgam o texto constitucional, não se pode dizer que haja mais estado de direito.
    70 dias de pessoas acampadas sem um único incidente.
    Estranhamente, num evento em que pessoas infiltradas e portando artefatos bélicos são presas, mostrando que estavam insuflando a multidão (e não isento quem caiu na armadilha) seria caso de prudência das autoridades.
    Tempos atrás, movimentos que fizeram o mesmo (quem sabe não são, inclusive, os mesmos?) e mais de uma vez, foram tratados de forma diversa e desconhece-se se alguém foi responsabilizado.
    Acusações de terrorismos sem que a conduta de cada pessoa seja individualizada, prendendo crianças e idosos no “galpão da democracia”, verdadeiro campo de concentração, sem um mínimo de tratamento e respeito aos direitos humanos. Fossem os manos, os direitos dos manos seriam garantidos.
    E a idosa que faleceu? Acusada de terrorismo?
    Não dá sequer para enquadrar nos termos da Lei 13.260 posto que faltam elementos básicos do tipo penal, quais sejam, razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor etnia e religião e com finalidade de provocar terror social ou generalizado.
    Fico imaginando o perigo da idosa falecida com uma bíblia na mão.
    Ou do perigo de crianças com suas famílias acampadas.
    Realmente, não dá para comparar com a inocência de uma vítima da sociedade portanto arma que derruba helicóptero.
    Crianças tratadas como o estado democrático de Hitler.
    Um governador catapultado sem processo nenhum.
    Sim, sem processo nenhum pois não sujeito, em princípio, à jurisdição do magistrado.
    Sem participação do poder legislativo competente, sem processo regular e sem participação do órgão acusador.
    Resumindo: ditadura pura e simples.

    • Grato pela participação, Nonato.

      Essa questão do enquadramento jurídico como terrorismo realmente é difícil, porque, além do aspecto que você apontou, o § 2º do art. 2º da Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) dispõe que:

      § 2º O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

      Certamente haverá debates, e essa questão deverá ser enfrentada. Pelo menos é o que se espera.

      Do meu ponto de vista pessoal, porém, o Brasil está metido em problemas que não se resolverão apenas nos tribunais. A Política precisa fazer a sua parte em busca da pacificação do país.

      • É estarrecedor ver a propagação, inclusive pelo que decretou prisões e todo um cordel de ilegalidades, de tal fato como se verdadeiro fosse e inclusão em inquérito que apura fake news (qual lei criminaliza isso, mesmo?) sendo que o só fato já é uma fake news!
        E não se pode sequer dizer isso porque bem o Uber Black na porta!
        Se isso não for uma ditadura, vou chamar de disneylândia da democracia canhota!

  2. Caro Sr. Marcos, sei das suas dificuldades para expressar opiniões, porém peço que responda sim ou não para estas simples perguntas que farei.

    O Brasil de hoje vive em pleno estado de direito?

    É normal o que o judiciário vem fazendo com os direitos individuais previstos no art. 5º CF desde que foi instaurado o tal inquérito do fim do mundo (v. M. A. Mello)?

    Boa tarde!

      • Compreendo e digo ser uma pena que um cidadão não possa manifestar sua opinião.

        Seu comentário já responde minhas duas questões colocadas.

        Rogo para que faça sua consciência valer nas decisões que toma, para o bem do País.

        Tenho certeza que terá muita importância para que possamos um dia ter nossa liberdade de opinião de volta.

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