MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Tem gente que acha que o governo é necessário para ajudar os mais pobres. Se é verdade que o governo sempre FALA isso, o que ele FAZ costuma ser coisa bem diferente. Taí a lista dos jatinhos financiados pelo BNDES a juros de 2,5% ao ano para comprovar.

Os mais fanáticos pelo governo costumam apresentar uma afirmação peremptória para justificar a presença do governo na economia: os empresários são gananciosos e só atendem onde houver grandes lucros. Esta afirmação contém vários erros.

O primeiro deles: não são apenas os empresários que são gananciosos: todos os seres humanos são. Você conhece alguém que ao se inscrever no vestibular procure a profissão que paga os piores salários? Não, todos procuram o melhor possível, dentro de suas possibilidades. Todo mundo quer ganhar dinheiro. Para usar linguagem mais bonita, os seres humanos são movidos por estímulos. Ganhar dinheiro fazendo algo que as outras pessoas queiram é um estímulo, e dos mais saudáveis. Todas as sociedades humanas funcionam baseadas nisto.

Segundo erro: transformar uma comparação (“grandes lucros”) em uma afirmação absoluta. Afinal, “grandes” comparado com quê? O que é grande para um é pequeno para outro, e é baseado nesta infinita variedade que o livre mercado funciona.

Terceiro erro: falar de “empresários” como se fosse um grupo à parte do resto da humanidade, uma casta fixa e inacessível aos demais mortais, como na antiga Índia. Na verdade, o mundo está cheio de potenciais empresários que só precisam, antes de mais nada, que o governo lhes deixe trabalhar.

Escrevo tudo isso inspirado em um comentário que li em outro blog: Alguém repetiu o velho chavão “O governo não pode privatizar os correios porque a iniciativa privada só vai atender onde houver lucro e as cidades pequenas e afastadas vão ficar desamparadas.” A resposta foi lapidar:

“Se você andar de barco pela Amazônia, em cada pequeno vilarejo que você encontrar pelo caminho haverá um boteco vendendo cerveja e Coca-cola. Se alguém consegue obter um lucro satisfatório fazendo garrafas e latinhas chegarem a estes vilarejos, porque não aconteceria o mesmo com cartas e encomendas?”

O estatista talvez tente argumentar “Ahhh, mas vai custar mais caro…” Sim, e porque não? Quem disse que todas as pessoas do país ou do mundo devem pagar o mesmo preço para enviar uma carta, ou para tomar uma cerveja? Afinal, muitas coisas são mais caras em cidades grandes do que em vilarejos da Amazônia (começando por habitação e transporte) e nem por isso o governo tira dinheiro das cidades pequenas para subsidiar a moradia de quem mora em São Paulo ou Rio de Janeiro.

De qualquer forma, privatizar os correios é uma decisão arriscada. Provavelmente o governo cederá a pressões de todos os grupos com interesses econômicos ou ideológicos e fará uma série de concessões (garantia de empregos, exigências de atendimento, tabelamento de preços, etc.) Quanto maiores estas concessões, maior o risco e menor a chance de empreendedores sérios se interessarem. Em outras palavras, cresce a chance de termos mais um compadre do governo fingindo uma privatização. Ironicamente, algumas pessoas acham que quando o governo subverte o livre mercado favorecendo os seus amigos, a solução é mais governo e menos livre mercado.

Vou mudar de assunto para uma comparação que ilustra bem o problema: O (des)governo Dilma “privatizou” cinco aeroportos, e Temer, mais quatro. (Sim, o termo técnico é “concessão”, mas esta é uma questão mais ideológica e de “fetiche vocabular” que outra coisa)

A diferença: nas privatizações da Dilma, a Infraero continuaria sócia dos aeroportos. Nas do Temer, não. Quando os ministros da Dilma anunciaram o projeto, soltaram fogos e prometeram que as maiores empresas do mundo participariam do leilão. Só esqueceram um detalhe: qual o louco que quer botar bilhões num negócio para ter uma estatal como a Infraero de sócia, com seus apadrinhados, seus “funças” indemissíveis e suas licitações suspeitas? Quem acabou ficando com as concessões foram uns velhos conhecidos dos brasileiros: Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa e os fundos de pensão do Banco do Brasil, Petrobrás e Caixa.

Na rodada de privatizações do governo Temer, a Infraero ficou de fora. Como resultado, os aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza foram comprados por três das maiores administradoras de aeroportos do mundo, uma francesa, uma alemã e uma suíça. Os quatro estão a todo vapor, com reformas e expansões. Os da era Dilma vivem se queixando e pedindo ajuda do governo, claro. O que você esperava de empreiteiras que passaram a vida toda tocando obras com o inesgotável dinheiro público?

De novo, os estatistas vão chiar: “Ahhh, daqui a trinta anos eles vão devolver o aeroporto todo sucateado.” Claro. Você faria diferente? Afinal, quem fez as regras foi o governo. Como não temos maturidade para fazer o óbvio, que é vender os aeroportos, todos, e entender que não é função do governo administrar aeroporto, correio ou posto de gasolina, ficamos nesta brincadeira de “concessão”. O que deveria garantir um bom serviço é a concorrência, que aqui não existe: construir aeroportos é monopólio do governo. (parece até piada: o governo faz uma lei proibindo qualquer um de construir um aeroporto. Aí as pessoas falam “viu, se não fosse o governo não teríamos aeroporto”.) E antes que alguém diga que é utópico achar que pode haver concorrência: Milão, Estocolmo, Ottawa, Copenhagen, Orlando, Varsóvia, Glasgow, são algumas cidades com mais de um aeroporto – e todas elas menores que Belo Horizonte, Fortaleza ou Porto Alegre.

Para completar o assunto da Infraero: atualmente, ela administra 46 aeroportos. Quase todos dão prejuízo. Ora, se uma empresa dá prejuízo, ela precisa baixar a despesa ou subir a receita, ou fechar. Óbvio que esperar que uma estatal reduza despesas é como esperar elefantes voarem; aumentar a receita poderia ser feito com vontade e competência, mas de novo, para que uma estatal vai se dar ao trabalho de ser eficiente e competente se ninguém corre o risco de perder o emprego por causa disso? Seria o caso de fechar, mas aí vem a gritaria da “função social” das estatais. É preciso gastar dinheiro público para manter abertos aeroportos deficitários, e fingir que isso vai beneficiar os pobres. Afinal, é preciso continuar acreditando que o governo cuida de nós.

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