MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Meu querido amigo Wilson D. era um brilhante colega na General Motors. Em 1973, após voltar de dois anos de treinamento no General Motors Institute em Flint, Michigan (hoje Kettering University), Wilson teve uma carreira meteórica na companhia, resultado óbvio de sua inteligência e dedicação.

Acontece que logo após sua volta dos Estados Unidos e com dois filhos pequenos, sendo o primeiro o fruto de um casamento apressado pela gula – foi comer a merenda antes do recreio -, Wilson se encontrava num aperreio danado para conseguir pagar suas contas, em grande parte devidas à compra de móveis, geladeira, etc., necessários para poder reiniciar sua vida no Brasil.

Como critério para pagar as contas do mês, Wilson passou a adotar o método do sorteio: todo último dia do mês, quando recebia seu salário, separava o absolutamente essencial (aluguel, luz, água e comida), listava todas as outras contas em papeizinhos com os respectivos valores e os colocava em um vidro vazio de azeitonas. Sua filha de 3 anos de idade tirava um por um os papeizinhos e ele ia deduzindo o valor deles do que restava do salário. Quando se exauria o valor disponível os papeizinhos não sorteados eram descartados.

Como resultado dessa metodologia contábil, não reconhecida pela Consultoria norte-americana Alvarez & Marsal nem pelo Conselho Federal de Contabilidade, muitos boletos começaram a se acumular sem pagamento, circunstância que definitivamente não agradava a um número cada vez maior de credores. Entre estes estava a Tamakavy, loja pertencente ao Silvio Santos, “O Homem do Baú”.

As prestações da Tamakavy já somavam três em atraso, e um dia o cobrador da loja, um baitola nervosinho, irrompeu na casa do Wilson tal qual um(a) Randolfe e trovejou ameaçadoramente:

– Vou botar seu nome no SPC. Vou arrancar seu saco e fritar seus ovos. Também vou dedar você ao Departamento de Pessoal da G.M. para que saibam que um de seus funcionários é um caloteiro que não paga as contas, comprometendo o nome dela. Você devia se envergonhar de seu comportamento, blá, blá, blá.

Wilson ouviu pacientemente o enfurecido cobrador, explicou a situação e mandou o recado:

– Olha aqui, meu amigo. Diga ao seu gerente para não vir me aporrinhar a vida de novo senão no próximo mês ele não entra nem no sorteio.

Bem, tanto o meu amigo Wilson não teve seus ovos postos na frigideira como o Silvio Santos acabou recebendo seu dinheirinho atrasado.

7 pensou em “CONTAS ATRASADAS

  1. Estimado cronista Magnovaldo Santos

    Só agora é que, mais ou menos, me deu disposição para fazer meu comentário a respeito de sua, mais uma vez, hilária crônica. (Isso é história ou não é?)

    É que fui acometido desse H3N2 (E a minha esposa fica insistindo que é COVID-19; ela é assídua assistidora da Globo Lixo. Não larga nem a pau!)

    Graças a Deus, a minha é leve, mas incomoda e muito, principalmente a garganta.

    Tenho um grande amigo, Engenheiro Civil da ATI aqui do Estado de Pernambuco, onde tudo nela é sucateado e ninguém sabe para que a “empresa” existe. No entorno do prédio da ATI parece até um cemitério medieval abandonado.

    Pois bem, esse meu amigo, João Roberto, no momento do aperto das contas, adotou o mesmo estratagema:

    Só que, além de ele fazer o sorteio, ele punha na cabeça da lista as prioridades máximas das mais, e quando eu perguntava para ele o que significava máximas das máximas, ele respondia:

    – Luiz, água, ALIMENTAÇÃO. O resto eu me arrumo depois.
    Interessante! Quem não já viveu esse problema?

    Abraçaço no estimado cronista e família.

    • Meu bom compadre Ciço:
      Cuide-se bem, meu caro. Dívidas todos nós temos o tempo todo. Mas saúde e vida só temos uma – quiçá várias, mas teremos que desencarnar e reencarnar de novo, o que talvez não seja uma opção muito agradável, já que ficaremos um tempo sem ver o JBF e saber notícias dos amigos.
      Um grande abraço e um queijo, um bom final de semana.
      Magnovaldo

  2. Já estou imaginando como será o belo livro de crônicas. Certamente será igual ao da Dama das Crônicas do JBF, Violante Pimentel.

    Ótimo, excelente, magnífico.

    • Desculpe, Magnovaldo, por invadir seu espaço, mas tenho que agradecer ao querido cronista Ciço Tavares a referência ao meu livro.
      Obrigada, querido Ciço! Fiquei muito lisonjeada!

      Abraços.

  3. Parabéns pelo excelente texto, prezado cronista Magnovaldo Santos!

    Quem nunca se aperreou com contas a pagar, que atire a primeira pedra.

    Em Nova-Cruz (RN), onde nasci e me criei, os inadimplentes repetiam uma máxima muito respeitada:

    “Devo, não nego. Pago, quando puder.”. rsrs.

    Quem sofria com isso era o comerciante, como o meu pai, que vendia fiado, anotando numa caderneta. Nesse tempo, ainda não havia cartão de crédito.

    .Bom final de semana! .

    • Violante, minha ilustre colunista,
      Brigadão pelo seu comentário.
      Em uma determinada época, quando estavam nascendo meus filhos, não sobrava nem papelzinho para entrar no sorteio!!!
      Um abraço, excelente final de semana.
      Magnovaldo

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