CARLOS EDUARDO SANTOS - CRÔNICAS CHEIAS DE GRAÇA

Lotes prontos para circular

Por sorte e muito trabalho em outras profissões paralelas, vivi o pedaço de minha vida financeira até agora com certa facilidade. Mas nunca optei por pertencer ao Quadro de Tesouraria.

Aos 14 anos entrei no City Bank e aos 21 passei para o Banco do Brasil onde fiquei até me aposentar.

Nunca me preocupei em concursar-me para categorias mais elevadas porque meu destino mesmo estava ligado ao jornalismo e assim fui tramitando nas duas profissões por mais de 30 anos.

Ainda hoje me dedico às atividades intelectuais, para enfrentar condignamente a fase de aposentado, sem que me classifiquem de um “inútil-social”.

Já vi muito dinheiro no exercício da profissão bancária.

Por ter iniciado como “office-boy” no maior Banco americano, antes do expediente, a grande Caixa Forte era aberta pelos srs. Henrique Ernestino Martins e Afonso Arthur de Souza Leão, cada qual com uma chave e um “segredo”.

Eu entrava levando um carrinho de bagagens, juntamente com Seu Odilon Medeiros de Morais, o chefe-de-caixa, para retirar a dinheirama que deveria ser entregue aos caixas Luiz Martins, Dirceu Valois e Luiz Loureiro, a fim de se iniciarem o expediente.

Eram retiradas várias caixas de aço, contendo cédulas e moedas, que eu carregava sob rodas até os guichês.

Anos depois, no Banco do Brasil, fui responsável por muitas remessas de dinheiro entre agências. Os tempos eram outros! Recebíamos na tarde anterior enormes sacos de juta esborrando de papel-moeda, para conduzi-los de automóvel com destino a Caruaru, João Pessoa, Natal e de avião para Maceió, Fortaleza e Rio de Janeiro.

Numa certa época me foi sugerido optar pela carreira de Tesouraria, porque o ordenado era bem maior, mas do amigo Renato Machado Maia ouvi um questionamento:

– Você está preparado para ficar contando de 1 a 10 até aposentar-se?

Durante vários meses, quando trabalhei no Câmbio, nosso setor era separado da Tesouraria por uma tela e eu via os colegas contando as cédulas de 1 a 10, depois os maços, que também eram contados até 10 e colocava-se a fita indicativa.

Tudo funcionava contando-se de 1 até 10.

Meditei por vários dias, consultei meu velho e não tomei nenhuma iniciativa para trocar de Quadro. Deus me livre passar 30 anos contando dinheiro dos outros!

Há poucos dias conversando com o colega João Pires e Menezes – que hoje sob o peso dos seus 90 anos, ainda se delicia com seu sax – a prosa decorreu ao som de boas recordações.

Ele me disse que fez concurso para o Banco, foi empossado como Escriturário, mas por pouco tempo exerceu as atividades contábeis. Depois se formou em Direito, todavia nunca ativou seu diploma. E concluiu – com larga risada – informando que nunca deixou de trabalhar contando papel-moeda e amarrando os maços, no setor de Tesouraria, onde sempre foi bem remunerado.

Até aposentar-se o trabalho diário era contar de 1 a 10 durante seis horas.

Triste sina, contar tanto dinheiro dos outros, todos os dias!

4 pensou em “CONTANDO DE 1 ATÉ 10

  1. Meu amigo Carlos,

    A referência que fez ao meu sogro Renato Machado Maia, pai da minha querido esposa Regina, nos encheu de recordações.

    Embora seja essa uma rápida e breve referência, o questionamento que ele lhe fez à época disse muito da personalidade dele e do boníssimo ser humano que foi, sempre pronto a ajudar quem quer que fosse. Ainda mais os amigos…

    É para nós motivo de orgulho e satisfação extrema, tê-lo como amigo e contemporâneo do nosso queridíssimo e inesquecível Renato!

    Receba o nosso carinhoso abraço e as felicitações por mais essa valiosa crônica.

  2. Caro Phillippe,

    Citar um amigo, sobremodo por conselho tão significativo, é sempre interessante.

    O melhor é que não houve oportunidade, em nenhuma de nossas prosas virtuais, um fato representativo do porque ele confabulou comigo sobre minha transferência de Quadro Funcional no Banco.

    Em período que não sei precisar o BB ocupou o prédio do antigo Instituto dos Marítimos, na Av. Marques de Olinda, e abriu um portal interno entre a velha Agência que tinha frente pela Av. Alfredo Lisboa, 427, que tinha duas entradas-extras, uma exclusiva para funcionários que tem o número atua: 11 e cujo título foi uma homenagem ao ex-senador Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda) e outra para a Rua do Vigário Tenório (Aliás cabe lhe transmitir dados obtidos do Google:

    No Recife Antigo, existe uma rua chamada Vigário Tenório, onde o BB tinha uma entrada apenas para cargas e numerário.

    Lamentavelmente, poucos sabem quem foi o Vigário Tenório. Em 1817 eclodiu a Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres.

    É ai que entra em cena um dos mais valorosos e destemidos homens da nossa história: O padre Pedro de Souza Tenório ou mais notadamente o vigário Tenório.

    Educado na Universidade de Coimbra, Portugal, designado para a paróquia da vila de Nossa Senhora da Conceição, hoje Vila Velha, na Ilha de Itamaracá, ali ele revolucionou não só a prática pastoral, mas a agricultura, com as mais modernas técnicas agrícolas, e implantando novas culturas de cana-de-açúcar e máquinas revolucionárias para a época.

    No prédio dos Marítimos localizaram-se, no pavimento térreo, os setores e Câmbio e Tesouraria.

    Eu trabalhava no Câmbio exatamente em carteira colada a uma grade de ferro onde funcionava a rapaziada da Tesouraria. De forma que trocávamos breves prosas com Otacílio, Renato e o Vice-tesoureiro, Luiz Mathias de Figueiredo.

    Vou procurar foto do prédio para lhe remeter via e-mail.

    Preciso dizer mais alguma coisa?

    Abração do Carlos Eduardo.

  3. História pura, meu amigo. E com dois queridos protagonistas. Um, que fez parte da minha formação, tendo sido de fundamental importância para a minha vida e da minha família; o outro, amigo e colega do primeiro, contribuindo mais recentemente para com a minha trajetória, enriquecendo-a aqui e ali com preciosas lembranças e histórias do nosso passado!

    A você, a minha gratidão!

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