Há algum tempo, escrevi um texto para esta nossa gazeta, imitando Emille Zolà, denominado “J’accuse”, onde assaquei dez acusações contra o Supremo Tribunal Federal e o perigoso caminho que aquela corte constitucional estava direcionando o país, e qual seria o resultado desse encaminhamento que, para o bem de alguns poucos, e mal da maioria da população, impingiria uma mancha, uma nódoa que, dificilmente seria apagada de nossa história, e da história de um Tribunal Constitucional em que se sentaram nomes como Nelson Hungria, Victor Nunes Leal, Sidney Sanches, Ellen Grace Northfleet, Carlos Ayres Britto, entre outros tantos.
Infelizmente hoje, os tempos são outros, as cabeças são outras e a plasticidade moral do brasileiro de compactuar com o mal, mas o mal em sua essência, que assemelha aquela corte às mais sombrias reuniões que o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães fizeram, quando buscaram a “solução final para o povo judeu”, na Segunda Guerra Mundial, parece ter se tornado coisa do cotidiano.
Parece que a história brasileira vive em ciclos, repetindo os mesmos erros do passado, agindo da mesma forma irracional, anticivilizatória, irresponsável e legiferante, mas sem um parâmetro de moralidade, de humanidade e, mesmo de legalidade. Falo da morte do preso político Cleriston, ocorrido nesta semana, no presídio da Papuda, no Distrito Federal, e dos seus culpados direta e indiretamente por essa morte. Morte que, aquilo que nos restava de reserva moral, de civilização, infelizmente, foi esgoto abaixo depois desse fato.
Hoje, posso dizer, sem medo de errar, sem medo de estar cometendo um ato de injustiça, ou mesmo de impiedade, que nossa sociedade se rebaixou à barbárie, nos nivelando aos mesmos padrões de regimes políticos assassinos que persistem ainda no planeta. O que nos diferencia de uma Uganda de Idi Amin Dadá? O que nos torna moralmente superior ao Camboja de Pol Pot? O que nos torna diferente de uma Líbia de Muammar Gadafhi? Que baliza ética nos diferencia de uma União Soviética de Josef Stalin? Nada. Absolutamente nada. Nos rebaixamos ao mesmo patamar de assassinos compulsivos, para quem matar o outro, era apenas um aperitivo do café da manhã.
A morte de Cleriston, na cadeia, sem acusação formal, sem individualização do ato, sem direito algum – direito que está inscrito naquele monte de bobagem que nos acostumamos a chamar de Constituição Federal de 1988 -, foi a cereja do bolo que faltava para que o mundo reconhecesse que hoje, no Brasil, vivemos um regime de exceção, cujos mandantes e executores de tal assassinato são bem conhecidos, mas se consideram intocáveis.
Eu acuso todo o Supremo Tribunal Federal de HOMICÍDIO!!! Sim, homicídio doloso. E não a figura de uma única só pessoa. Todo aquele tribunal é culpado de homicídio. Não há ali um único ministro honrado que, sabendo da verdade, sabendo do chamado devido processo legal, não denunciou, seja no plenário físico, ou virtual a enormidade do arbítrio que se estava cometendo, ou na imprensa, ou no Senado Federal, ou em fóruns internacionais, as barbaridades ali cometidas. São figuras pusilânimes, covardes e lenientes com o mal em sua expressão mais danosa. O Supremo Tribunal Federal é culpado de fazer presos políticos, de matar preso político e se considerar acima de todo bem, ou mal da sociedade. Onde estão os homens de “ilibada reputação e notório saber jurídico” daquela corte? Onde estão os defensores da dita Constituição Federal de 1988, que juraram defender? Acovardados e dando aplausos para um ato de ignomínia, transformando o Brasil em uma ditadura das mais asquerosas e impiedosas do mundo.
Eu acuso o Senado Federal, e não só a figura de seu presidente, pela covardia e aprovação de atos que violam, de maneira escancarada o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Diz o regimento interno daquela casa que o plenário está acima da mesa diretora. No entanto, esse mesmo plenário ficou calado, olhando para o outro lado da janela, enquanto atos criminosos estavam sendo perpetrados do outro lado da Praça dos Três Poderes. Que três poderes? Que democracia? Que regime de contrafreios é esse? O Senado Federal, todos os 81 senadores estão, também, com as mãos sujas do sangue do Cleriston. Um senado acovardado, microscópico em sua altivez, anão político, cúmplice de homicídio. Um senado que virou as costas para o Brasil, para as leis, para a decência e para a civilidade.
Se o presidente daquela casa é culpado, mais culpados são aqueles que fazem parte do pleno do senado. Hoje, apenas discursos pusilânimes, desrespeitoso contra a memória de um cidadão. Um discurso que deveriam ter vergonha de proferirem em respeito à memória do cidadão que morreu sob a custódia do Estado, enquanto seu pedido de habeas corpus dormia em silencio nas mãos do ministro de um caso que nem deveria estar na corte constitucional do país, haja vista nenhum daqueles cidadãos presos ter foro privilegiado por prerrogativa de função. O senado federal brasileiro, todo ele, sem exceção é culpado, também, pela morte do Cleriston.
Eu acuso a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB -, também como cúmplice e culpado pela morte do cidadão. Esse sindicato, bem mais organizado e com mais poder que os demais, mas ainda sim, um sindicato, calou-se, e sub-repticiamente aprovou as ações do STF que, flagrantemente violavam aquele amontoado de bobagem chamado Constituição Federal, pois estava e está envolvido com um projeto de poder que visa perpetuar-se no mando do país. A OAB, tal qual o senado olhava para outro lado, enquanto as mais graves violação dos direitos da pessoa humana eram violados. Onde está a OAB de Raymundo Faoro e Sobral Pinto? Onde está o Senado de Teotônio Vilela? Onde está o STF de Sidney Sanches e Carlos Ayres Britto? Infelizmente essas instituições morreram. O que sobra hoje é apenas um amontoado de homicidas que estão dando de ombros para a população brasileira.
Eu acuso a imprensa brasileira de ser culpada e cúmplice no homicídio de Cleriston. Suas mãos estão, também, sujas de sangue inocente. Cadê a ABI de Barbosa Lima Sobrinho? A mesma ABI que, na morte de Wladimir Herzog se levantou acima da barbárie e se colocou como baluarte da civilidade, hoje está quieta, cúmplice de homicídio, escondendo fatos da população, pois espera nacos desse poder, e esquece que quem detém o poder não o divide. É o sério namoro entre a corda e o pescoço.
Eu acuso os organismos de Defesa dos Direitos Humanos de cumplicidade nesse homicídio. Onde estão os defensores dos Direitos da Pessoa Humana? Provavelmente alguns humanos, tais quais no pensamento esquerdista e nazista valem menos que os outros. A sua leniência, seu silêncio ensurdecedor só prova uma única coisa: para essa entidade, qualquer um que não reze por sua cartilha e não se ajoelha diante de suas visões deturpadas e taradas de mundo, são carne barata e que podem ser descartadas como se fossem apenas um estorvo no meio da sala.
Eu acuso as Forças Armadas, na figura de seus oficiais comandantes de leniência com o arbítrio, com a violação da dita carta constitucional que, na atualidade reduziu-se a um papelucho que nem para embrulhar pão, aquelas folhas têm serventia. Onde está o Exército de Caxias? A Marinha de Tamandaré, que se cobriu de glória nos Campos de Avaí? Onde está a Força Aérea Brasileira que nos campos italianos trouxe glória para si e para o Brasil? O silêncio dessas forças dói a não poder mais no ouvido de todo brasileiro que ainda tem algum sentido de decência e civilidade.
Eu acuso a Polícia Federal do Brasil de estar se comportando como a GESTAPO de Heinrich Himmler. Ou esqueceram, ou convenientemente fecham os olhos para o fato de que ordem ilegal não se cumpre, e mandado que viola a dita constituição não se dá andamento. Não vi nenhum representante do sindicato dessa polícia denunciar o arbítrio, ou mesmo dizer “Não vamos cumprir ordem ilegal”. A covardia desse sindicato e dessa instituição, se não fosse revoltante, seria motivo de riso e de piada de salão. Não é. A Polícia Federal também tem culpa nesse homicídio.
Eu acuso o Ministério Público de se vergar a manhas e birras de um tribunal que, há muito deveria ser deposto por trair a constituição de 1988. As mãos do Ministério Público também estão sujas com o sangue do Cleriston, e de outros brasileiros que “ainda” vão morrer em presídios, sem culpa formalizada, sentenciados em lotes e sem direito a defesa. O Ministério Público que, tantas vezes descartou e engavetou acusações robustas de crimes, hoje, também olha para o outro lado da janela, enquanto cidadão estão sendo moídos em suas honras e tendo suas vidas destruídas por sádicos que, ao vestirem capas pretas se consideram deuses da moralidade e decência.
Hoje vivemos em uma nação enganada, violentada em sua essência, sob o risco do tacão da impiedade, da injustiça, do arbítrio, feito por aqueles que são pagos pelo povo para cumprir a lei. Uma nação calada, enganada por promessa de vida fácil. Serei eu o próximo a sofrer esse arbítrio? Posso ser, é quase certeza, porém, Brasil, “verás que um” legítimo “filho teu, não foge à luta”. Não digo que tais que citei sejam traidores da pátria. São homicidas. HOMICIDAS! E essa mancha ficará para sempre no currículo das instituições nacionais. Que Deus tenha piedade de nosso povo.
Caro Roque Nunes
Primeiramente, parabéns pelo texto forte, que reputo como um dos melhores que já li aqui na Besta. Repito, forte como o momento exige; permita-me fazer minha suas palavras.
Como advogado, já manifestei aqui minha vergonha ante o comportamento pusilânime da OAB; pusilanimidade que agora se repete ante a morte anunciada do preso político Cleriston, portanto ainda mais vergonhosa.
Entre os grandes nomes citados pelo senhor, permita-me acrescentar mais um: Gofredo Telles, que teve a coragem de ler a histórica carta aos brasileiros (a verdadeira, não aquele documento fajuto que Lula usou para enganar o povo em 2002), nas arcadas da faculdade do Largo São Francisco, durante a ditadura militar, em 1976.
Que falta fazem estes grandes homens, que falta faz a coragem dos homens públicos nestes tempos difíceis. Coragem que não lhe faltou, caro Roque, ao escrever este texto.
Parabéns!
Agora, meu nobre causídico Pablo Lopes, é aguardar a revanche de vingança desses donos do poder. Não temo ser preso, quase certamente não sairei vivo da prisão, se isso acontecer. Nada temo, mas essa raiva precisava ser canalizada, de um modo, ou de outro.
Caros, a grande verdade é que a politica no Brasil se profissionalizou e se tornou uma capitania hereditária, triste é ver a quantidade de analfabetos políticos que os mantem no seu bem estar todo o tempo, renovando seus mandatos, além do agravante é que em sua maioria, pencas de processos a perder de vista. Parabéns nobre Roque por seus textos maravilhosos.
Luiz, Luiz, lamá sabactani…….já dizia Cristo…. eu, imitando as personagem do Chapolin Colorado, grito…. e agora…. quem poderá nos defender:
O espírito do Adônis ocupa dois corpos.,
Só pode!
Como se diz por estas bandas: rapaaaaaiiizzz!
Botou com um quente e dois fervendo.
Dr. Roque, só lembre que a gente é amigo, tá?
Nonato, aqui. Amigo, tá?
Sempre Nonato…sempre…. esses texto é desabafo…com risco de ser preso….estou precisando de férias mesmo
Magnífico Roque:
Só mesmo um grande espírito de elevada extração para produzir um texto tão primoroso. Suas acusações são irretocáveis e indefensáveis, e não poderiam ser melhor expressas por ninguém mais. Meus parabéns pela propriedade de seu magistral pensamento. Um grande abraço.
Vontades sua meu grande amigo
Caramba, Botou pra quebrar
Isso se não me render uma bela cana Mauricio
Parabéns, prezado Roque Nunes, pela perfeição do texto! Garanto que a banda decente do nosso país pode assinar embaixo.
Você não está sozinho. Seu texto é verdadeiro, e retrata a realidade política que estamos vivendo.
Um abraço!
Dura realidade, minha cara Violante… da um desânimo….