JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

Um enterro de anão
Pato dormindo em puleiro
Freira entrando em puteiro
Ateu fazendo oração.
Fazer sexo sem tesão
Ave alegre não cantar
Jumento não relinchar
Surdo numa cantoria
Palhaço sem alegria
E uma garapa azedar.

O sujeito não peidar
Depois de uma buchada
Gente rica aperreada
Pinto em merda não ciscar.
Um doido não endoidar
Se lhe disserem o apelido
Um velho não ter vivido
Seus dias de mocidade
Mentiroso amar verdade
E um poeta não rimar.

Um cantor pra não cantar
Um soldado não prender
E se o bandido recorrer
A Justiça não soltar.
Novela pra não passar
Sofrimento do mocinho
Amor grande sem carinho
Pedinte sem ter sacola
Futebol sem trave e bola
Estrada sem ser caminho.

Batizado sem padrinho
Lua cheia sem beleza
Cabaré sem safadeza
Xique xique sem espinho.
Homem rico andar sozinho
Um forró sem sanfoneiro
Porco limpo num chiqueiro
Banguelo roendo osso
Girafa sem ter pescoço
Compra à vista sem dinheiro.

Um filho de bodegueiro
Que não valorize o pai
Sofrimento sem ter ai
Segundo sem ter primeiro.
Vaquejada sem vaqueiro
E vaqueiro sem gibão
Fogueira sem ter tição
Guerrilheiro sem guerrilha
E político em Brasília
Cheio de boa intenção.

Crente que não seja irmão
Escola sem professor
UFC sem lutador
Jiu-jitsu sem ter chão.
Problema sem solução
Embolador sem repente
Um dentista sem ter dente
Pobre sem verme e lombriga
Gente falsa sem intriga
E careca andar com pente.

Um Natal sem ter presente
Uma Páscoa sem coelho
Sol se pondo sem vermelho
Um sinal sem um carente.
Alegria sem contente
Um morto que não viveu
Rapariga que não deu
Em troca de algum tostão
O Irã em união
Com todo o povo judeu.

Vencedor que não venceu
Orquestra sem instrumento
Um instante sem momento
Um bebo que não bebeu.
Injeção que não doeu
Trovão sem relampejar
Professor não ensinar
Mãe sem amor por seu filho
Dente de ouro sem brilho
Idoso não resmungar.

Gato novo não miar
Sertanejo preguiçoso
Menino não buliçoso
Curandeiro não rezar.
Bebo andando não tombar
Um bocado sem um tanto
Um milagre sem um santo
Um inferno sem ter cão
Banheiro sem ter sabão
E uma sala sem ter canto.

Uma santa sem um manto
Um toureiro sem espada
Uma rua sem calçada
Um choro pra não ser pranto.
Ocultismo sem quebranto
Pai-de-santo sem terreiro
Obra grande sem pedreiro
Cinema sem uma tela
Um pintor sem aquarela
Um açude sem barreiro.

Inverno sem aguaceiro
Verão sem nenhum calor
Outono com muita flor
Primavera sem ter cheiro.
Quem viaja ao estrangeiro
Não postar fotografia
A noite não virar dia
Um fogo que não aqueça
Prego novo sem cabeça
Neve que não seja fria.

Confusão sem arrelia
Junto que não seja perto
Um besta sem um esperto
Um corrupto que sabia.
Medo que não arrepia
Uma prisão sem bandido
Achado sem ser perdido
Time bom não ter ataque
Carioca sem sotaque
Um tiro sem estampido.

Uma ovelha sem balido
Vinte e nove em fevereiro
Jangada sem jangadeiro
Dono de banco falido.
Corno depois de traído
Não ficar desconfiado
Um baiano arretado
Não gostar de capoeira
E uma mulher chifreira
Sem um amigo viado.

Um bebim aterrissado
Na porta de uma igreja
Repentistas em peleja
Sem um verso malcriado.
LP todo arranhado
Na agulha não enganchar
A solidão não criar
Uma saudade danada
Uma noite enluarada
O poeta não inspirar.

Fofoqueira não passar
Um boato para frente
Lava que não seja quente
Fogo alto não queimar.
Quem gosta de estudar
Ser preguiçoso pra ler
Benzedeira não benzer
Quem lhe chega adoentado
E um brega bem cantado
Não fazer alguém sofrer.

17 pensou em “COISAS DIFÍCEIS DE SE VER

  1. Isso é cagado e cuspido, paisagem do interior!

    Valeu, grande poeta! Alegria nesse momento pandemônico só faz bem a alma!

  2. Eu ousaria colocar nas coisas difíceis de se ver, a mais difícil de todas as colocadas.

    “Um Petista a pensar,
    de seus erros arrepender”

    • João, são “coisas difíceis de se ver”.
      “Coisas impossíveis de acontecer”, eu posso tentar escrever noutra oportunidade.
      Risos.

      • Caro Jesus de Ritinha de Miúdo:

        Concordo com o João Francisco: escreva um poema fuleiragem narrando toda a escrotidão petista, lulista, dilmista, petrolista…

        Vamos rir?

        Como o mestre tem o dom da rima, verseje pra nós!

  3. Vale a pena ler quem ainda domina a “última flor do Lácio, inculta e bela”, tão ignorada, espoliada, estuprada e vilipendiada.

  4. Parabéns pela perfeição do Cordel, “COISAS DIFÍCEIS DE SE VER”, Colunista Jesus de Ritinha de Miúdo! Uma abordagem panorâmica, da realidade do nosso dia a dia. Show!!!

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