Guilherme Fiuza
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o presidente Lula
Se não tem pão, que comam brioches. Se a alface está cara, que comam chicória. De Maria Antonieta a Luiz Marinho, a mitologia da relação entre o poder e o povo está repleta de abismos representativos. No caso do ministro do Trabalho de Lula, a própria noção de trabalho está mergulhada numa licença poética de digestão difícil e lenta.
Dane-se a inflação? Não é isso. Mas é quase. No momento em que as projeções do índice de preços sobem, se distanciando do centro da meta, o comandante do ministério que supostamente guarnece os interesses do trabalhador achou que o melhor a fazer era minimizar o problema. E a sobremesa da chicória foi mais indigesta: Luiz Marinho declarou – não se sabe se num momento confessional ou por distração – que no governo Lula não tem essa história de corte de gastos, não.
Textualmente: “Esse debate não existe no governo. Se existisse, o presidente Lula teria falado: ‘Marinho, pega leve ai’.” E completou: “O que é gasto? Coisa desnecessária. Se tiver alguma coisa desnecessária tem que cortar.”
É muita sofisticação, diria a companheira Maria Antonieta. Ainda mais se lembrarmos que esse governo ascendeu com as bênçãos dos pais do Plano Real. Melhor nem lembrar. Melhor nem imaginar o que um Edmar Bacha teria a dizer sobre essa sentença brilhante: “gasto é coisa desnecessária”. Se o princípio da responsabilidade fiscal tivesse sido construído com conceitos desse tipo, o Brasil estaria até hoje passando o pires em reunião do FMI para não morrer à míngua.
Gasto é “coisa desnecessária” – ou seja, é o que eu quero classificar como gasto – porque eu posso simplesmente decidir que o balanço das estatais não entrará mais no meu demonstrativo fiscal. É tipo assim: as contas domésticas não estão fechando? Tira o IPTU da conta. Cria uma contabilidade paralela. Seus problemas acabaram.
E aparentemente sem freio, porque se fosse para frear, o presidente da República já teria dito “pega leve aí”. Claro que o melhor a fazer, em vez de pegar leve, é demonizar o Banco Central e seu presidente. Uma instituição que fica alertando para a ameaça do dragão é muito inconveniente.
Veja que recomendação desagradável sobre a política de responsabilidade fiscal: é importante para “a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de riscos dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. Quem disse isso foi o Banco Central. Em outras palavras: a gastança vai forçar o aumento dos juros porque pressiona a inflação.
Quem disse que isso é um problema? Se o bicho pegar, comam brioche com chicória.