Rumores pelo mundo dizem que os países do BRICS estão muito perto de anunciar a criação de uma nova moeda, lastreada em ouro; talvez agora em agosto quando acontecerá uma reunião em Johanesburgo. Em que isso nos afeta?
Já falei tanto sobre a história do dinheiro que não vou repetir tudo; apenas relembrar que os Estados Unidos ganharam de presente a hegemonia econômica mundial quando os países europeus resolveram destruir a si mesmos em duas guerras estúpidas e inúteis. De 1945 para cá, todo o comércio mundial é feito em dólar, o que coloca os EUA em uma posição bem diferente de todos os outros países.
Desde que o presidente Nixon mandou às favas o acordo de Bretton Woods, em 1971, muita gente falou em criar alternativas para o dólar, mas quase nada aconteceu além de falação. Teorias da conspiração dizem que as invasões do Iraque de Saddam Hussein e da Líbia de Kadaffi aconteceram porque ambos queriam vender petróleo usando outras moedas. Se foi isso mesmo, Saddam e Kadaffi mostraram uma espetacular falta de visão em achar que poderiam sozinhos fazer algo dessa magnitude.
Mas as coisas andam acontecendo muito rapidamente nos últimos tempos, e agora quem está falando em abandonar o dólar e voltar para o ouro são duas potências nucleares. O que se pode concluir por enquanto?
Em primeiro lugar, óbvio, é preciso saber se os demais países vão aderir a esta nova moeda. Poucos anos atrás, ninguém apostaria nisso, mas os EUA deram-se um enorme tiro no pé ao bloquear unilateralmente reservas em dólar do Afeganistão e da Rússia. Todos os países perceberam que deixar todas as suas reservas na mão dos políticos de Washington não é uma boa idéia. A China, que tem um projeto de longo prazo para se tornar o próximo líder mundial, percebeu o momento favorável, agora que a Rússia precisa desesperadamente voltar a participar da economia mundial.
Se o projeto vingar, a consequência óbvia é que o dólar vai perder valor, mas isso não é o pior. Hoje, o governo dos EUA desfruta do privilégio de poder fabricar dinheiro muito mais impunemente que os outros países: como o dólar é demandado no mundo inteiro, os EUA acabam “exportando” boa parte da inflação que aconteceria no mercado interno.
Os Estados Unidos estão em um momento delicado: a dívida é enorme, a inflação está alta, o déficit também. A subida da inflação junto com a perda da confiança forçou uma subida dos juros. Só a despesa com esses juros já ultrapassa 1 trilhão de dólares por ano. O governo esperava poder continuar imprimindo dinheiro para pagar a conta até que as coisas se acalmassem. Se ocorrer uma queda brusca na demanda mundial pelo dólar, continuar fabricando dinheiro vai jogar a inflação para as alturas. Interromper a fabricação de dinheiro exigirá um profundo corte de despesas que não parece politicamente possível.
Por tudo isso, os inegáveis benefícios a longo prazo da nova moeda dos BRICS poderiam ficar em segundo plano diante da enorme tensão que causaria entre EUA e China no curto prazo. Sobre o desenrolar dessa tensão, pode-se apenas especular.
E para nós brasileiros, o que muda? Quase nada. É praticamente certo que essa nova moeda será usada apenas para operações de comércio internacional, e existirá apenas na forma digital, não em cédulas ou moedas físicas. Na verdade, trata-se mais de criar um sistema mundial de compensações que seja uma alternativa ao que existe hoje, baseado em dólar. Um sistema desses não é algo monolítico, que existe em um determinado lugar; é um conjunto de softwares, protocolos, contratos e regras que efetuam transferências de dinheiro de um lugar para o outro. Ou seja, é quase como o nosso sistema bancário, só que em nível internacional.
A possibilidade de que essa nova moeda passe a ser usada internamente em substituição ao real é mínima, por um motivo simples: uma moeda lastreada em ouro não pode ser inflacionada, o que é ótimo para os cidadãos mas é desagradável para os políticos. O mais provável é que continuaremos a usar um real sempre mais desvalorizado, e em breve totalmente digital (já falei sobre isso antes).
Um último ponto: jornalistas adoram expressões chamativas, e siglas como BRICS agradam em cheio. Só que na verdade a tal sigla é apenas isso, uma sigla. Trata-se de um grupo absolutamente heterogêneo de países (“um polaco de cada colônia”, diria minha avó) que têm pouca coisa em comum: o R é uma superpotência que se meteu em uma situação complicada e teme, com razão, virar uma ex-superpotência. O I e o C são superpotências de verdade que se odeiam. O B e o S são apenas amigos irrelevantes que foram incluídos na festa mas não decidem nada (“anões diplomáticos”, diria alguém). Assim, quando se diz que “os países do BRICS vão criar uma moeda lastreada em ouro”, seria prudente observar de quanto ouro estamos falando:
O gráfico acima mostra a quantidade de reservas em ouro de cada membro do BRICS (em toneladas, valores do primeiro trimestre de 2023). Juntando essa informação com a participação de cada país no comércio mundial e com a importância geo-política, fica óbvio que se trata de uma briga de cachorro grande. É torcer para que a briga não fique muito feia.
Vamos promover um concurso para o nome da nova moeda do Brics:
O dinheiro deveria se chamar de BUNDA (BRASILEIRO USANDO AS NÁDEGAS DEVIDAMENTE ASSADAS)