DEU NO JORNAL

José Pio Martins

“O Brasil foi a amante que mais amei e foi a que mais me corneou”, afirmou Eugênio Gudin, referindo-se ao fato de, em sua geração, ser dado como certo que o Brasil terminaria o século 20 como um país rico e desenvolvido, mas ao contrário, seguiu pobre, atrasado e desigual. Eugênio Gudin morreu em 1986, aos 100 anos de idade. Não é uma figura conhecida do público, mas foi um ator atuante no cenário nacional durante mais de meio século.

Nascido em 1886, formou-se em Engenharia Civil em 1905, despertou para a economia nos anos 1920 e se tornou um apaixonado pelos temas econômicos, sobretudo as teorias e cálculos aplicados à engenharia de construção. Ainda na década de 1920, Gudin se lançou à atividade jornalística publicando artigos econômicos em jornais e revistas. Ele exerceu também atividades administrativas e durante três décadas foi diretor de O Jornal(Rio de Janeiro) e diretor das empresas Western Telegraph e da Great Western of Brazil Railway.

Gudin se dedicou também à atividade docente como professor nas disciplinas de lógica econômica para os cursos de Direito e Engenharia. A profissão de economista, que foi regulamentada em 1951, teve como base o Projeto de Lei que criou o curso de Ciências Econômicas no Brasil, redigido por Gudin em 1944 a pedido do então ministro da Educação, Gustavo Capanema. Naquele ano de 1944, Gudin foi designado como delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, Estados Unidos, da qual participou ao lado de Roberto Campos e na qual foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), conhecido como Banco Mundial.

Por seu nível intelectual e experiência empresarial, Gudin viria a ser nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Café Filho em 25 de agosto de 1954 (dia seguinte ao suicídio de Getúlio Vargas). Nesse cargo, que ocupou até abril de 1955, Gudin adotou um programa de austeridade baseado na redução de gastos e contenção da expansão monetária. Ele promoveu também abertura da economia, visando a atrair investimentos estrangeiros,e foi o inventor do recolhimento do imposto de renda na fonte sobresalários.

Eugênio Gudin foi vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas de 1960 e 1976, mas sua relação com a instituição vinha desde os anos 1940, na qual ele foi um dos responsáveis pela implantação do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), sendo diretor de ambos.

Nos anos seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial, acreditava-se que o Brasil estava predestinado a se desenvolver e ingressar no grupo dos países ricos. Essa crença se espalhou sobretudo nos anos do governo Juscelino Kubitschek (janeiro/1956-janeiro/1961). Quando a humanidade ingressou no século 21, portanto 40 anos após o fim do governo JK, o Brasil era visto como decepção por continuar pobre e subdesenvolvido, apesar de rico em recursos naturais. A pergunta que intrigava era: o que houve com o país que o impediu de prosperar?

As respostas vinham de todos os lados e, na maior parte, representava mais a crença de quem a pronunciava do que a realidade dos fatos. Os nacionalistas, a União Nacional dos Estudantes e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil insistiam que a culpa era do eixo internacional: o Fundo Monetário Internacional (FMI), as empresas multinacionais, o imperialismo norte-americano etc.

Durante meu curso de Economia, ouvi à exaustão que esses demônios externos eram os causadores da miséria e da pobreza brasileira, mas nunca me satisfiz com as respostas e as justificativas, pois me pareciam meros arroubos políticos sem base técnica e científica. Desde cedo aprendi que nas ciências sociais, ao contrário das ciências físicas, a verdade quase sempre é incompleta e não definitiva. Eu ouvia as explicações desconfiado e não me deixava convencer apenas pelos títulos e cargos dos professores e de outros falantes.

Outro grupo que ia na linha de culpar os demônios internacionais e o capitalismo pelo atraso brasileiro era composto pelos comunistas, uma parte da esquerda festiva e alguns artistas iletrados em assuntos econômicos. O capitalismo não é perfeito. Mas as explicações da culpa do capitalismo, do empresário e do lucro pela pobreza eram muito mal formuladas. Em segundo lugar, o que tinham para pôr no lugar do capitalismo era um horror em decadência: os regimes socialistas ditatoriais sanguinários, assassinos da liberdade.

Certo dia, ainda como estudante de Economia, deparei-me com um texto de Roberto Campos, falando que o Brasil era vítima de seis grandes males: 1) nível educacional muito baixo; 2) sistema político fisiológico e corrupto; 3) leis anticapitalistas e antiempresariais; 4) Estado paquiderme e ineficiente tomado por grupos arcaicos e corrupto; 5) baixo investimento em pesquisa, ciência e tecnologia; 6) xenofobismo infantil e improdutivo.

Gudin e Campos lutavam em uma guerra intelectual na qual os soldados da liberdade econômica e abertura ao exterior eram poucos, e os amantes do Estado e do socialismo intervencionista eram grande maioria, inclusive entre os políticos e os jornalistas. E o Brasil continuou traindo os que esperavam ver o país rico e desenvolvido.

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