JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

Há mais de um mês sem pisar nas terras acarienses, sem abastecer os meus pulmões com os ares quentes do meu sertão, sem limpar os olhos com as paisagens do meu pago, sem alegrar meus ouvidos com os risos do meu povo, sem acender as narinas com os cheiros da minha terra, sem arrepiar minha pele pelos toques das mãos apertadas dos meus amigos, sem receber pessoalmente as bênçãos mais caras dos meus pais, pois bem, sexta-feira passada selei um jumento mecânico de motor 1.6 e arribei na estrada rumo ao meu pago amado, Acari do meu amor, do amor de todos nós.

Deu tempo de no domingo pela manhã me encontrar com meu prezado amigo Everaldo de Edite de Joaquim de Cristóvão, mais Vevé do que nunca!

Como sempre, foi aquela arrelia assim que nos vimos. Uma amizade verdadeira, sem interesses, vale muito mais que bons milhões. Vevé me faz bem! Sua companhia me alegra, e sinto a sinceridade da recíproca.

Pois bem, no domingo pela manhã não nos largamos. Papo aos poucos sendo posto em dia, enquanto ele ia arrumando sua barraca de Crepes Suíços na qual Guia, sua esposa, despacha nos dez dias da Festa de Agosto.

Ambrósio Córdula esteve por ali sob as algarobas e engrossou o caldo da prosa que nos alimentava sem nos permitir fome de outra coisa.

Pois bem, perdi a hora do almoço, mas fiquei cheio, quase empanzinado das boas histórias e colocações de Vevé. Quanto mais o tempo passa, mais sua verve de contador de causos vai se aperfeiçoando.

A tarde passou depressa e a bandeira hasteada em frente da igreja matriz simbolizou o início das comemorações de agosto. Eu me meti numa beca surrada e marchei para a rua com o meu menorzinho agarrado à minha mão, ouvindo de longe o dobrado que a bandinha executava, certamente sob a batuta de Netinho de Pinta, duas ruas depois da minha. Eu ia em busca do parque de diversões do mesmo Severino, o moreno, com quem bati dez minutos de prosa ali escorado no gradeado de um brinquedo. Ele sem saber quem eu era e eu, desde menino, devotando ao velho empresário de todos os agostos da minha vida a mesma admiração e respeito.

Seis brinquedos depois e um bate-papo com o meu Tio Dão Velho, dei de ir ter ocasionalmente com Ari Pesão no Pavilhão da Festa (antiga Barraca da Santa, como chamávamos antigamente), onde dividimos uma Coca-Cola de seiscentos. Nem bebe ele, nem bebo eu. A prosa correu solta, principalmente quando se juntou em nossa mesa o velho e inquieto amigo Merion Medeiros. Futebol foi o assunto, graças a Deus.

Com um crepe na barriga do meu menorzinho e a noite de domingo virando madrugada de segunda, entre uma provocação e outra feita por Dóris Bezerra querendo uns versinhos de repente, segurei na mão do meu menino e tomei o rumo da casa de papai, onde hoje em dia me hospedo (é estranho dizer isso).

Antes mesmo de subir a calçada de Seu Antônio Medeiros fui parado por Vevé. Pois é, comecei o domingo e terminei com ele. Parou-me rindo e eu lhe perguntei o motivo.

– Rapaz, tou aqui me lembrando de uma coisa do ano passado – respondeu-me ainda rindo, balançando o corpo todinho, a cabeça enfiada nos ombros pela falta de um pescoço.

Hômi, pois se ainda não me contou, me conte – pedi doido por sua história que eu sabia, como as outras dignas de registro.

Aí ele me narrou o fato que passo a contar com as minhas palavras.

* * *

A Festa de Agosto corria solta e era noite de quarta-feira. A rua recebera pouca gente e logo cedo o movimento se deu por vencido. Zuil Ribeiro, comandante do pavilhão, deu ordens aos seus garçons para fecharem o caixa e que fossem avisar aquele casal da última mesa ativa que encerrariam em alguns minutos.

Assim foi feito. O pavilhão ficou deserto.

Everaldo Vevé, churrasqueiro oficial da barraca, ainda tinha que recolher apetrechos, restos de carnes que não foram às brasas, e outras coisas mais para guardá-las no prédio de apoio funcionando ali onde outrora era a Bodega de Chico (Pires) da Bodega.

Separados todos os objetos a primeira viagem feita com as coisas num carro de mão seria com as carnes. Saía da barraca empurrando o veículo de cabeça baixa quando prestou atenção num casal namorando nos batentes da porta do muro da casa de Chico de Balá.

O rapaz, sentado no terceiro batente, escorado da porta, tinha a moça escanchada em seu colo, de frente para ele e de costas para a rua, abraçando-o com braços e pernas. E tão absortos estavam no namoro que nem prestaram atenção na aproximação do nosso Vevé e seu carro de mão. Sexo completo não faziam, pois ambos vestiam calças jean’s.

E foi mesmo quando Vevé ficou num ângulo de quarenta graus para a visão do casal que a moça, sem pudor algum, fez saltar um dos seios de dentro da blusa. Certamente pensara que a rua estava totalmente deserta.

O rapaz por sua vez, feito bezerro de primeira mamada, agarrou-se com patas e beiços nesse peito como se estivesse morrendo de fome – assim me narrou o contador do causo – e numa gula tão grande que espantou o nosso Vevé, até bem acostumado com os sarros presenciados nas madrugadas festivas.

E ali ficou o casal naquele lambe e chupa desgraçado, sem importar-se com o vai e vem de Everaldo Vevé e seu carro de mão.

Vevé foi, abriu o armazém, guardou as carnes, fechou a porta e voltou para a barraca. Encheu o carro de mão, foi deixar o material novamente, abrindo o armazém, descarregando o carro, fechando a porta e voltando. Cada vez que passava pelo casal, é verdade, não deixava de olhar, mas ficava meio envergonhado. Porém olhava.

E o casal? Ora essa! Lá no batente de Chico de Balá, animado feito pinto em merda, na mesma posição, na mesma chupação de peito e na mesma satisfação.

Everaldo fez sua terceira e última viagem. Abriu a porta do armazém, descarregou o carro, fechou a porta com a chave e voltava para deixar o carro na barraca e ir embora, quando parou bem atrás do casal. Via o movimento da cabeça do rapaz por trás dos ombros da moça. Vevé descansou o carro no chão e subiu a calçada. Parou um momento, olhou com atenção. O casal não deu por sua presença. Ele se aproximou mais. Tocou no ombro da moça com a ponta dos dedos. A moça virou a cabeça para trás assustada e o rapaz, sentindo o movimento da companheira, abandonou pela primeira vez o peito e olhou para o intruso. Não deu tempo reclamar qualquer coisa. Vevé falou primeiro.

– Moça, quando terminar, não esqueça de botar o bichin para arrotar, não, viu?

Pegou o carrinho de mão saiu satisfeito pelo conselho que dera. Danado se o bichin golfasse (regurgitasse) na moça. A blusa dela era tão bonitinha.

9 pensou em “BOTE O BICHIN PRA ARROTAR

  1. Esses acontecimentos do interior, retratados num linguajar local, são realmente deliciosos.
    Parabéns, poeta, por saber fazer prosa tão bem, também.

  2. Quanto mais se lê Jesus
    Mais vontade dá de ler
    Texto leve, bem escrito
    É leitura de prazer
    Histórias daqui, dali
    Sua querida Acari
    São ‘Causos’ bons de se ver

    • Já ganhei o mês de junho!
      Obrigado, Xico!

      E ouvir Xico Bezerra
      Em qualquer composição
      Musical ou só escrita
      Por sua inspiração
      Do passado ou do presente
      Alegra a alma da gente
      E faz bem ao coração.

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