Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira …
O sol é um doente a enlanguescer …
A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!
O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.
As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …
Florbela Espanca, Vila Viçosa, Portugal (1894-1930)
Florbela gostava do entardecer, hora sagrada para ela.
Lá, ao contrário daqui em terras tupiniquins o sol se põe sob o mar, ao oeste.
Aqui também se põe ao oeste (ó novidade), porém ao nosso oeste está o continente.
Ela transfigura sua dor e suas ilusões aos últimos raios do sol.
Uma forma linda de lamentar pelo seu passado.