MARCOS MAIRTON - CONTOS, CRÔNICAS E CORDEIS

Escrevi pela primeira vez sobre o Reino da Bazófia em 2020, estimulado por uma crônica de José Paulo Cavalcanti, titular da cadeira de número 39 na Academia Brasileira de Letras, a quem tenho a honra de chamar de amigo.

Então, se antes de prosseguir nesta leitura, o leitor quiser obter algumas informações preliminares sobre o Reino da Bazófia, deve clicar AQUI.

Caso resolva prosseguir sem visitar aquele texto, deve apenas ter em mente que o Reino da Bazófia existiu na Europa, entre meados da Idade Média e a época em que se formaram as primeiras monarquias. Depois desapareceu do mapa, deixando quase nenhum vestígio.

Mesmo assim, fragmentos de documentos encontrados em velhos mosteiros permitem resgatar fatos ocorridos no Reino da Bazófia, os quais revelam curiosos traços da organização política daquele reino.

Feitos esses esclarecimentos, vamos aos fatos.

Conta-se que, certa vez, apareceu no Palácio Real do Reino da Bazófia um pequeno macaco. Servidores do palácio tentaram pegar o bichinho, mas ninguém conseguiu fazer a captura. Bem se sabe que os macacos são animais ágeis, mas aquele parecia mesmo acima da média dos de sua espécie. Comparado com os gordos assessores do rei, a diferença era absurdamente desproporcional.

Para surpresa de todos, depois de deixar os funcionários reais exaustos o bichinho foi-se acomodar espontaneamente sobre os ombros do rei.

O monarca ficou muito feliz com aquela inesperada atitude do macaquinho, e o adotou como bicho de estimação. Deu ao animalzinho o nome de Poder:

– Porque muitos queriam alcançá-lo, mas ele veio para quem o merece – explicou o rei aos assessores, o que fez por pura zombaria, já que não devia explicações a ninguém ali.

Passavam-se os dias e, para gáudio do rei bazófio, Poder continuava a transitar pelo palácio real, como se aquele lugar fosse mesmo o seu lar, desde o início dos tempos. Tornou-se comum nobres, servidores e outros súditos menos importantes verem o macaco Poder junto ao rei.

Apesar da aparente docilidade do símio, ninguém conseguia tocar nele, tal qual ocorrera na primeira vez que fora visto no palácio. Mesmo quando brincava no salão real, com algum dos seus vários brinquedos – sim, o macaquinho Poder frequentemente ganhava brinquedos do próprio rei ou de membros da nobreza que visitavam o palácio – mesmo nesses momentos, se alguém se aproximava, Poder saltava rapidamente para o lustre, o alto de um armário ou outra posição onde se mantivesse a salvo de mãos humanas.

O próprio rei, único que eventualmente podia sentir Poder sobre seus ombros, precisava esperar que o macaco viesse até ele, pois, toda vez que tentava segurar o animalzinho em suas mãos, Poder saltava para longe dele.

O rei não se incomodava com aquele comportamento de Poder. Ao contrário, ria daquilo. Com o tempo, afeiçoou-se tanto ao bichinho, que volta e meia saía em passeios pelas ruas de Bazófia para que o povo visse Poder em seus ombros.

Nessas ocasiões, a população se aglomerava nas calçadas e nas margens das estradas para aplaudir a comitiva. Já não se sabia se os aplausos eram para o rei ou para o macaco, mas o fato é que, com Poder junto de si, o rei havia aumentado muita sua popularidade.

Como era de se esperar, toda aquela popularidade passou a gerar insatisfação entre os nobres, especialmente aqueles que compunham o Conselho Real, uma espécie de parlamento de Bazófia.

Sentindo que estavam perdendo importância junto ao povo, os conselheiros reais tramaram um plano para tirar Poder do rei: em um dos passeios reais, o presidente do Conselho de Nobres, que tinha lugar na carruagem real, tentaria tirar Poder dos ombros do rei; como o bichinho era muito arisco, certamente se assustaria, saltando da carruagem, o que causaria tumulto, deixando o rei desmoralizado, em uma situação até mesmo ridícula; com o rei ridicularizado, a nobreza, insuflada pelo conselheiros, passaria a boicotar o rei em todos os seus atos de governo, até enfraquecê-lo e derrubá-lo.

E assim foi feito. Quando a carruagem real, com a capota aberta, atravessava a praça principal da capital do Reino da Bazófia, o Presidente do Conselho Real tentou repentinamente agarrar Poder, que estava acomodado em um dos ombros do rei. O bichinho assustou-se, como previsto, mas, ao invés de fugir, saltou para a cabeça do conselheiro.

Surpreso com a reação do macaquinho, o conselheiro real continuou tentando pegar Poder, que, sobre sua cabeça, puxava-lhe as orelhas e enfiava-lhe os dedos nos olhos. Ao tentar se segurar nos cabelos do conselheiro, acabou arrancando-lhe peruca, deixando à mostra a avançada calvície do membro da nobreza de Bazófia.

A essa altura, o próprio rei tentava tirar Poder da cabeça do conselheiro, também sem sucesso. Enquanto isso, as pessoas aglomeradas na praça invadiam a rua, misturando gargalhadas a impropérios e gritos de protesto. Em instantes, a carruagem real estava cercada pela multidão, com alguns jovens mais afoitos tentando subir no veículo, mas sendo repelidos pela guarda real.

Não se tem certeza sobre o que houve depois disso. A versão mais aceita é que, em sua luta por Poder, o rei e o presidente do Conselho Real caíram da carruagem e foram pisoteados pela multidão que os cercava. O povo, que no início aplaudia a comitiva, passou a atacar a guarda real, com paus e pedras. Formaram-se inúmeros grupos, que brigavam entre si, sem saber exatamente por qual motivo estavam brigando. Instalado o caos, não se sabe com quem ficou Poder.

Os fragmentos de jornais rudimentares que circulavam à época são estudados até hoje. Há certo consenso entre estudiosos do assunto no sentido de que, a partir daquele dia, o Reino da Bazófia entrou em um longo período de anarquia e decadência econômica.

Mas historiadores continuam a debater sobre o tema. Uns dizem que as coisas começaram a dar errado no Reino da Bazófia quando o rei passou a se exibir com o Poder, sem ter controle sobre ele. Outros sustentam que o plano do conselheiro não deu certo porque o Poder lhe subiu à cabeça. Outros ainda acreditam que a revolta em Bazófia teria sido evitada se o Poder tivesse sido mantido longe do povo.

Aparentemente, as teses aqui referidas não são excludentes umas das outras.

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