JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Hilária Batista de Almeida nasceu em Santo Amaro da Purificação, BA, em 23/4/1854. Cozinheira, mãe de santo, animadora cultural e conhecida como “Matriarca do Samba”. Foi uma das primeiras quituteiras baianas do Rio de Janeiro e reunia em sua casa os primeiros sambistas. Aí foi composto o primeiro samba -“Pelo telefone”- gravado em disco por Donga e Mauro de Almeida, em 1916.

Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1876, período que ficou conhecido como “diáspora baiana”, devido às perseguições policiais contra as tradições africanas. Para se manter instalou banca de quituteira na rua 7 de Setembro, na área central do Rio, chamada também de “Pequena África”. Sempre paramentada com vestes típicas, boa comida e animada, levou o “samba de roda” de Salvador para o Rio e conquistou a simpatia dos cariocas. Casou-se com Norberto da Rocha Guimarães, com quem teve uma filha. Mas o casamento durou pouco e voltou a casar-se com João Baptista da Silva, um negro culto, que chegou a cursar 2 anos na Escola de Medicina da Bahia, com o qual teve 14 filhos.

Morando nas proximidades da Praça Onze, sua casa –um casarão com 6 quartos, 2 salas, um longo corredor e quintal com árvores- passou a reunir em todos os finais de semana variado grupo de apreciadores dos pagodes e quitutes. Nestas ocasiões Tia Ciata reinava como entusiasta dos refrões e danças do samba. Foi ela quem ensinou ao neto Bucy Moreira os segredos do passo “miudinho”, uma forma de sambar de pés juntos que exige destreza e elegância. Passou também a confeccionar e alugar roupas típicas da Bahia para teatros e desfiles de carnaval, incluindo não só as mulheres, mas também homens e gente graúda, que gostavam de se travestir nas festas do Carnaval de rua.

Nesta época armava uma barraca na Praça Onze, onde eram lançadas as marchinhas, que ficariam famosas no Carnaval da cidade. Sua casa era frequentada por alguns nomes destacados na época ou que vieram a se destacar mais tarde no cenário carioca, tais como o jornalista Vagalume, o ator Alfredo de Albuquerque e importantes nomes da música popular como Hilário Jovino Ferreira, Donga, Pixinguinha, João da Bahiana, Heitor dos Prazeres, Sinhô, Caninha, Didi da Gracinda, Marinho que Toca (pai do compositor Getúlio Marinho), Mauro de Almeida, João da Mata, João Câncio, Getúlio da Praia, Mirandella, Mestre Germano, China (irmão de Pixinguinha) e Catulo da Paixão Cearense.

Tornou-se também um reduto das filhas-de-santo, suas amigas e futuras mães-de-santo: Tia Dadá, Tia Amelia (mãe do Donga), Tia Prisciliana (mãe de João da Bahiana), tia Veridiana (mãe de Chico da Bahiana), Tia Josefa Rica e Tia Tomásia. Não por outra razão, tais rodas de samba eram encerradas com uma cerimônia de candomblé, comandada por Tia Ciata. Sua fama de mãe-de-santo foi confirmada nos festejos aos Orixás e as conhecidas festas de São Cosme e Damião e de sua Oxum, Nossa Senhora da Conceição. Como curandeira, a fama foi alavancada com o tratamento que realizou numa ferida na perna do presidente Venceslau Brás, que não se curava mesmo contando com os cuidados médicos da época. Chamada ao Palácio do Catete, curou a ferida e teve como recompensa um bom emprego para o marido no Gabinete da Chefia da Polícia.

Junto com esta, vieram outras recompensas. As festas na sua casa, que chegaram a sofrer repreensão policial, na gestão de Venceslau Brás (1914-1918), passaram a ser autorizadas e contando com 2 soldados para fazer a segurança. Seu marido morreu em 1910, quando ela já era uma personalidade conhecida na cidade e viveu junto com os familiares até 1924, quando veio a falecer aos 70 anos. Um destes, o neto Bucy Moreira, viveu com ela até os 15 anos e tornou-se um bom compositor, instrumentista e diretor de harmonia de escolas de samba. Diz a lenda que também era o melhor dançarino de samba de sua geração.

Hoje sua memória é mantida pela ORTC – Organização dos Remanescentes da Tia Ciata, um espaço cultural com exposição permanente, criado por Gracy Mary Moreira, sua bisneta e filha de Bucy Moreira, aberto à visitação pública no Rio de Janeiro. Veja clicando aqui. Um resgate dessa história e deste local, conhecido como “Pequena África”, pode ser visto no livro Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, de Roberto Moura, publicado em 1995 pela Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro.

7 pensou em “AS BRASILEIRAS: Tia Ciata

  1. Mestre Brito,

    Tia Ciata e a notável Carolina Maria de Jesus, mesmo dentro do sofrimento, trouxeram beleza à sua gente. São eternas!

    Parabéns pelo texto lúcido!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *