JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa nasceu em Rio Negro, PR, em 5/12/1908. Funcionária do consulado brasileiro em Hamburgo, Alemanha, prestou ajuda a muitos judeus -perseguidos pelos nazistas- entrarem ilegalmente no Brasil. É conhecida como o “Anjo de Hamburgo’ e recebeu o título de “Justa entre as Nações” pelo governo de Israel, tendo seu nome inscrito no Jardim dos Justos entre as Nações do Yad Vashem (Museu do Holocausto) e também no Museu do Holocausto de Washington.

Filha da alemã Sidonie Moebius de Carvalho e do português Amadeu Anselmo de Carvalho, passou a infância em Guarujá, SP, onde o pai era dono do Grande Hotel. Em 1930 casou-se com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess com quem teve um filho. Separou-se 5 anos depois e, para fugir do preconceito contra as mulheres divorciadas, foi morar na Alemanha com sua tia Lucy Luttmer. Dominando 4 idiomas (português, alemão, inglês e francês), conseguiu -através do chanceler Macedo Soares- emprego no Consulado brasileiro em Hamburgo, onde passou a chefiar a Seção de Passaportes.

Pouco antes de eclodir a II Guerra Mundial, entrou em vigor no Brasil uma restrição secreta impedindo a entrada de judeus no País, fugitivos da Alemanha nazista. Aracy ignorou a restrição e continuou preparando vistos para judeus, permitindo sua entrada no Brasil. Para obter a assinatura do cônsul geral aprovando os vistos, ela deixava de colocar no passaporte a letra “J”, identificando os judeus. Além dessa ajuda, ela forjava atestados de residência falsos, para poder atender judeus de outras cidades e chegou a transportar na mala do carro um judeu até a fronteira da Dinamarca; visitava judeus para levar mantimentos; dava orientações sobre como repatriar bens para fora do país e guardava valores de judeus até o embarque para evitar que fossem roubados por nazistas.

Em 1938 conheceu o cônsul adjunto João Guimarães Rosa, casou-se e permaneceram na Alemanha até 1942, quando o Brasil teve as relações diplomáticas rompidas com este país e passou a apoiar os países aliados. Devido ao conflito, o casal ficou 4 meses detido pelo governo alemão até serem trocados por diplomatas alemães. Devido ao fato de não haver divórcio no Brasil, o casamento foi oficializado apenas em 1947, na embaixada do México, no Rio de Janeiro. Sua história só ficou conhecida em princípios da década de 1980, quando uma judia alemã que fugiu para o Brasil decidiu divulgar os feitos da brasileira na Alemanha, durante a II Guerra Mundial. A história foi reconhecida pelo governo de Israel em 1982, quando recebeu as devidas homenagens.

Tal história foi contada em detalhes a partir da pesquisa realizada pela historiadora brasileira Mônica Schpun, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. A pesquisa resultou na publicação do livro Justa – Aracy de Carvalho e o resgate dos judeus trocando a Alemanha nazista pelo Brasil, publicado em 2011 pela Editora Record. Um dado relevante nesta biografia é a revelação da importância que Aracy teve na formação do escritor, não só auxiliando-o na revisão do livro Sagarana, mas também fornecendo-lhe conhecimentos sobre a cultura alemã. Em cartas dirigidas à ela, Rosa costumava chamar “o nosso Sagarana”, referindo-se ao livro. Seus biógrafos dizem que “De um só golpe, Rosa absorveu o lado “bom” dos alemães, sua cultura, e o lado “perverso” dessa mesma civilização, encontrando para esse dilema soluções que serão a chave de sua nova literatura. Nada disso, porém, seria possível sem a presença de Aracy ao seu lado naquele momento fundamental”.

Sua disposição de ajudar pessoas perseguidas por motivos políticos prossegue até quando passou a viver no Brasil. Consta em sua biografia o apoio e alojamento a compositores e intelectuais perseguidos durante o regime militar implantado no Brasil em 1964, entre eles Geraldo Vandré, de cuja tia Aracy era amiga. Em 1967, com o falecimento de Guimarães Rosa, passou a viver anonimamente até 1982, quando recebeu as devidas homenagens do governo de Israel e passou a ser conhecida do público. Mais tarde foi diagnosticada com o Mal de Alzheimer e faleceu em 28/2/2011, aos 102 anos. Foi sepultada no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, ao lado de seu marido, no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.

A história de Aracy foi retratada, também, no documentário “Esse viver ninguém me tira”, de Caco Ciocler, produzido em 2014, à disposição no Youtube. O governo brasileiro entrou no rol das homenagens, em 2019, quando os Correios colocaram em circulação 54 mil selos especiais com sua imagem estampada. Atualmente a TV Globo vem exibindo a série Passaporte para a liberdade, livremente baseada no livro de Mônica Schpun, produzida em parceria com a Sony Pictures Television. O seriado, em 8 capítulos, foi filmado em língua inglesa e deverá rodar o mundo após sua apresentação no Brasil.

4 pensou em “AS BRASILEIRAS: Aracy de Carvalho

  1. Lendo Aracy de Carvalho, a judia, a brasileira de descendência alemã e portuguesa, mas nascida no Brasil, em Rio Negro, PR, em 05.08.1908, que deu uma contribuição humanista sem precedente aos judeus caçados pelo nazismo, me lembrei do personagem alemão Oskar Schindler, antes taxados de explorador dos perseguidos judeus para depois ser considerado um dos casos raro de amor à vida da História.

    E para provar essa epopeia do amor, da compaixão, do amparo ao seu, Steven Spielberg, o genial cineasta de A Cor Púrpura, transformou essa história em um dos maiores casos de amor à vida, com a Lista de Schindler, uma obra-prima em preto e branco.

    Parabéns, cumpade Brito por mais esse resgate.

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