JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira nasceu em 29/10/1905, no Rio de Janeiro, RJ. Poeta, escritora, tradutora, jornalista, embaixatriz e política. Contando apenas com o curso primário, única educação formal recebida, teve uma vida social intensa e atribulada e deixou uma expressiva obra literária, além de sua participação na política como deputada.

Filha da portuguesa Rosa Cancela e do advogado Gualter Ferreira, ficou órfã da mãe aos 8 anos e não se deu bem com o temperamento da nova esposa de seu pai. Estudou como interna num colégio de freiras e se desentendeu com as professoras por defender as meninas órfãs, que eram maltratadas. Vista como “subversiva”, foi expulsa da escola. Aos 15 anos se apaixonou por seu vizinho, o pintor Ismael Nery, com quem se casou aos 16.

O casamento com um dos precursores do Modernismo no Brasil, proporcionou uma grande mudança em sua vida com a entrada num sofisticado circuito intelectual e artístico. Viveu por dois anos na Europa, adquiriu uma refinada cultura e tiveram 7 filhos homens, porém só o mais velho e o caçula sobreviveram. Foi uma vida marcada pelo glamour e pelo sofrimento com a perda dos filhos, acentuada pelos conflitos com o marido. Tais conflitos foram registrados no romance autobiográfico A Imaginária, seu maior sucesso editorial, publicado em 1959.

Em 1934 ficou viúva aos 29 anos, com poucos recursos financeiros. Trabalhou por um tempo na CEF-Caixa Econômica Federal e depois conseguiu um cargo no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Em seguida publicou sua primeira coletânea de poesias: Poemas, em 1937, incentivada por seu amigo, o poeta Murilo Mendes. Sua vida começa tomar novo rumo, quando conheceu o jornalista Lourival Fontes, diretor do DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas, e se casaram em 1940

No período 1943-1945 acompanhou o marido em missões diplomáticas em Nova York e México, onde conheceu e travou amizades com os artistas Diego Rivera, Frida Kahlo, José Orozco e David Siqueiros. Pouco depois, retornou ao país como embaixatriz, representando o Brasil na posse do presidente Adolfo Ruiz Cortinez e recebeu a comenda da “Ordem da Águia Asteca’, devido às suas conferências sobre Juana Inés de la Cruz. Como poeta foi apreciada por seus colegas Carlos Drummond de Andrade, que a chamava de “indômita” e por Manuel Bandeira, que comparou sua poesia à obra da poeta grega Safo de Lesbos, pelo erotismo libertário, e do poeta português Antero de Quental, pelo tom trágico.

Em princípios da década de 1950, surge nova temporada de tormentas. Lourival se apaixonou por outra mulher, causando-lhe grande sofrimento com a separação. Mesmo sendo reconhecida como escritora no Brasil e na França, decidiu abdicar da própria fama e renegar sua obra. Passou a se dedicar ao jornalismo, em 1954, com uma coluna – “Retrato sem retoques” – no jornal Última Hora, tratando de temas políticos e econômicos nacionais e internacionais. Em seguida entrou na política através do PSB-Partido Socialista Brasileiro, onde foi eleita deputada federal três vezes até 1969, quando foi cassada pela ditadura militar.

Como havia doado todos seus bens aos filhos, passou a viver só e sem recursos numa casa cedida por seu amigo Flávio Cavalcanti, em Petrópolis. Contrariando o propósito de não mais escrever, publicou alguns livros de poesia e contos e um romance – Neblina (1972) -, dedicado ao amigo Cavalcanti em gratidão. Devido ao fato de seu amigo ser simpatizante da ditadura militar, o livro foi ignorado pela crítica.

Mais tarde foi morar na casa de seu filho mais moço, Emmanuel. Pouco depois, em maio de 1976, o filho não a encontrou em casa. Ela havia saído e deixou um bilhete de despedida: foi se internar sozinha e por livre e espontânea vontade numa casa de repouso para idosos, em Jacarepaguá. No ano seguinte sofreu um acidente vascular cerebral; ficou afásica e hemiplégica; e faleceu 3 anos depois, aos 74 anos, em 7/6/1980.

Em 2023, o poeta Ramon Nunes Mello, estudioso de sua obra, organizou e publicou Do fim ao princípio: poesia completa (1937-1973), pela Editora José Olympio. Anos antes Ramon relançou pela mesma editora os romances A Imaginária (2015) e Neblina (2016). Ana Arruda Callado providenciou um belo ensaio biográfico e deu-lhe um título apropriado: Adalgisa Nery: muito amada e muito só, publicado em 1999, incluído na Coleção Perfis do Rio, em convênio com a Secretaria Municipal de Cultura/RioArte e a editora Relume Dumará.

6 pensou em “AS BRASILEIRAS: Adalgisa Nery

  1. Beleza de reminiscência, Domingos Brito.

    As recordações de Adalgisa Nery estufa o peito do Jornal da Besta Fubana de orgulho, e alegria aos leitores por serem novidades que estavam escondidas.

    Parabéns!

    • Pois é Miriam
      Dona Adalgisa foi uma madame supimpa, com se dizia antigamente. Eu também não conhecia e fiquei surpreendido com sua corajosa trajetória de vida

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