CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

Caro Papa Berto

Pedindo-lhe que sirva de intermediário às minhas desculpas a Chupicleide, pelo atraso na remessa do devido ajutório das suas libações, este mês “tão atrasado como o pagamento da Malária”, como diziam os antigos, defendendo o pessoal que lutava contra esse mal, ornando a porta das casas com uma inefável bandeira amarela, enquanto as fiscalizavam e dedetizavam, com “ardor febril”.

Como até bem pouco tempo, vivi um caminhar, uma verdadeira odisseia, assemelhada com a sua, embora as máquinas que perscrutaram a minha “caixa dos peitos” não encontraram muitos defeitos e isto permitiu que voltasse a gozar de uma liberdade relativa, com direito a um tratamento fitoterápico, com caldo de uvas e outros cereais, que minhas atendentes pessoais quase imaginam adornar meu tornozelo com uma bela pulseira, ainda não feito.

Mas, esse trilhar de laboratórios e consultórios terminou por me fazer produzir esse escrito, que ouso passar a suas mãos, após tê-lo acolhido em um “blog” local de nome “Ambiente de Leitura”, que me fez esta gentileza.

Assim me senti e, agora, ouso pensar ter ocorrido o mesmo consigo, infelizmente, parece-me, sem direito à fitoterapia.

Um abraço do súdito, Arael

R. Meu caro, sua generosa doação já está na conta desta gazeta escrota.

E chegou no dia certo, pois Chupicleide estava mesmo tramando encher a cara neste domingo, para celebrar a alta que tive hoje, depois de oito dias internado por conta do desmantelo pós-cirúrgico.

Gratíssimo pela força. 

E vamos ao texto que você nos mandou.

* * *

OS SINOS DE MINHA ADOLESCÊNCIA – ARAEL COSTA

“Sempre, às seis horas da manhã
No Largo do Maracanã
Eu ouço com emoção
Uma mensagem que o sino
Da igrejinha do Divino
Dirige ao meu coração…”

A Deusa do Maracanã ▪ Jaime Guilherme

Cumprindo a última etapa de um périplo de exames que o desvelo e a competência de meu cardiologista, Dr. José Mário Espínola, me impôs, vi-me imobilizado em uma máquina curiosa – talvez, quem saiba, vinda pela mão de Stanley Kubrick em “…Uma Odisseia no Espaço”, que se propunha a espionar o interior de meu peito, já não tão juvenil, em busca de algum desvio de conduta.

Nessa imobilidade, restava-me tão somente o pensar – livre, como bem mencionava o escritor Millôr Fernandes, que foi conduzido a recordações gradas, como a despertada pelo José Nunes, em sua crônica “Um passeio pela memória” (in Ambiente de Leitura Carlos Romero) —, que me trouxe de volta a um período marcante de minha vida, vivida naquelas trilhas que José Nunes, com a cumplicidade do Jornalista Gonzaga Rodrigues, restaura nas mentes de quantos viveram naquelas paragens e naquela época.

Embora já conhecesse algumas daquelas trilhas, percorridas em épocas anteriores, o período em que residi na Rua Duque de Caxias deu-me novas trilhas e marcou-me de forma considerável, dando-me lembranças das mais valiosas, pois representou o ritual de minha passagem para a via adulta, aumentando meus horizontes.

Já não foram apenas a Rua Duque de Caxias, a Praça 1817 e o Ponto de Cem Réis. Aditaram-se ao roteiro a Rua Visconde Pelotas, a Avenida General Osório e até as icônicas Ladeira da Borborema; a Ladeira de São Francisco e a Rua da Areia.

Festa das Neves bem próxima.

Carnaval e seu corso, que ainda existia, na porta de casa.

Mas, nem tudo são flores…

As cercanias das muitas veneráveis igrejas ali localizadas, a par do conforto espiritual que nos davam, também apresentavam, notadamente para os integrantes de minha geração residentes na área, algum dissabor, quando ”sempre às 6 horas da manhã” a alvorada festiva dos sinos daquela área urbana, lembrava a todos a obrigação de fé, a ser cumprida nas missas que lá se celebravam.

Nessa imobilidade a que a máquina curiosa me submetia, continuei a rememorar outros pequenos episódios da vida vivida na Rua Duque de Caxias e sua vizinhança, notadamente aquele instante em que as firmes badaladas de muitos sinos, onde infelizmente não estava a “…mensagem que o sino da igrejinha do Divino…”, mas o toque de despertar que não mais nos deixavam dormir, após essa hora, notadamente nas madrugadas às vezes chuvosas e frias dos domingos, quando nosso desejo era ficar um pouco mais na cama, após noitadas de sábado.

Acabado o exame, com a máquina curiosa silenciada, voltei à realidade dos dias presentes, não me restando outra situação que não lamentar a atual situação de abandono daquela área que me trouxe, e, decerto, a muitos outros daquela época, tantas recordações.

Igreja de São Bento

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