CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Francis Ford Coppola, com 50 quilos a menos, no cenário da loucura

Assim se pronunciou Francis Ford Coppola quando estava filmando APOCALYPSE NOW no inferno selvagem das Filipinas: Tudo que podia dar errado na filmagem saiu pior. Mergulhamos na brumosa, esquizofrênica e arriscada história de uma gestação cinematográfica nunca igualada.

No caso de Apocalypse Now, a façanha é que quase todos os membros da equipe envolvidos nas filmagens tenham conseguido terminar os trabalhos não enlouquecidos e vivos.

O diretor, Francis Ford Coppola, acompanhou seu protagonista, o capitão Willard, no mergulho à loucura: se a missão do soldado era caçar o coronel Kurtz, a de Coppola era a de concluir um filme que havia começado sem roteiro e sem final. O diretor reconheceria ter contemplado o suicídio por três ocasiões ao longo dos quatro anos de produção, quando tudo o que podia dar errado deu errado. E quando tudo o que ninguém pensado em ocorrer, saiu pior. Acredita ele que, se não tivesse levado a família ao set nas Filipinas para lhe compartilhar as loucuras das filmagens, teria se suicidado.

Apocalypse Now, que estreou no verão de 1979, portanto há 43 anos, era segundo o diretor de fotografia Vittorio Storaro, “um quadro da imposição de uma cultura sobre a outra e da vontade que os americanos têm de transformar tudo em espetáculo”: se os soldados reais colocavam rock and roll para bombardear povoados vietnamitas, os do filme escutavam Cavalgada das Valquírias, de Wagner. Se o exército arrasou com o Vietnã com explosões de napalm, Coppola rodaria a maior explosão já produzida fora de uma guerra. Com 11 milhões de dólares de orçamento (mesma quantia de Star Wars, de George Lucas), Apocalypse Now seria o primeiro blockbuster de arte e ensaio.

Tudo era loucura nas filmagens de Apocalypse Now: Steve McQueen, Al Pacino, Robert Redford e Jeck Nicholson recusaram o papel do protagonista principal Willard. Coppola contratou o ator Harvey Keitel, mas depois de três semanas de filmagens o dispensou, após perceber que o estilo do ator não se encaixava ao do personagem. Pegou o avião e viajou aos Estados Unidos e lá encontrando no Aeroporto Martin Sheen e o levou para o inferno das Filipinas para travar sua batalha com os demônios do coronel Kurtz.

A possibilidade de perder tudo provocava uma euforia poderosa em Copolla, que parecia ser mais criativo e produtivo sobre pressão – segundo afirmava Eleonor Coppola, a esposa. A última etapa da rodagem ficou a cargo de Francis Ford Coppola, 50 quilos mais magro, que insistia em prosseguir na iniciativa, apesar dos sinais de advertência. Os trabalhadores tinham disenteria quase diariamente, o ator que interpretava o surfista Lance (Sam Bottoms) aparecia sempre chapado com speed, maconha ou LSD, porque toda a equipe caia na farra de madrugada, os animais selvagens espreitavam as tendas de campanha durante a noite, as associações de defesa dos animais haviam denunciado o sacrifício de um búfalo para a filmagem da cena final e a United Artists pretendia reduzir o valor do seguro de vida de Coppola. Sua vida já não valia tanto quanto no início da empreitada de Apocalypse Now, mas era preciso terminar “Coração das Trevas”, ainda que fosse (literalmente) a única coisa que fizesse na vida. Só assim o investimento seria justificado ante os credores. A essa altura, Coppola já estava convencido de que o filme seria espantoso.

Depois de 238 na selva das Filipinas, com muita loucura na mata e muita gente pirada, cinquenta por cento mais magros, Martin Sheen infartado sem os executivos da United Artists saberem, Francis Ford Coppola termina as filmagens de Apocalypse Now se livrando dum problema sério chamado Marlon Brando. Num dos diálogos mais interessante dos bastidores das filmagens, Francis diz a Eleanor Coppola, sua esposa: “Eu tenho três semanas de filmagem com Brando e Hopper e cheguei à conclusão de que não vale a pena tentar seguir nenhum roteiro. Vou simplesmente pedir que eles improvisem e vamos filmar tudo. Com muita sorte, vamos conseguir algo que se assemelhe a um final. Porque eu não tenho um final para esse filme! É um desastre completo!”…

No dia do lançamento do filme, Coppola aproveitou a oportunidade para fazer uma advertência sobre Hollywood que foi recebida com escárnio: a imprensa o ridicularizou, concluindo que tinha ficado definitivamente pirado por culpa da filmagem de Apocalypse Now. Qual foi a aberração que Coppola se atreveu a profetizar? “Preparem-se, porque a tecnologia digital está a ponto de mudar o cinema para sempre.”

Felizmente, o tempo não deu razão a Francis Ford Coppola: Apocalypse Now é uma obra-prima, filosófica, eterna. Mas a tecnologia digital imbecilizou os filmes de arte, que antes eram feitos na raça, na tora, na coragem, beirando a loucura. Hoje o mouse substituiu o set de filmagem.

“Computa, computador, computa.”

O Filme que quase MATOU seu Diretor!

7 pensou em “APOCALYPSE NOW – O SET DA INSANIDADE

  1. Uma verdadeira epopeia que valeu a pena, meu caro Cícero. O filme é uma obra prima. Valeu pelo lembrete. Vou assisti-lo novamente para relembrar.

    • Estimado Beni Tavares,

      Assiste à APOCASYPSE NOW por volta de 1989 por duas vezes no cinema e nas duas vezes que eu assistir fiquei grogue, tonto, alucinado, me perguntando a mim mesmo como um ser humano teria tido a coragem de entrar numa selva negra daquela, nas Filipinas para realizar um filme, para provar da loucura, com tantos meios de fazê-lo diferente.

      Confesso-lhe que até então eu não tinha ficado em estado de êxtase, com mudança de percepção da realidade, mas depois que assisti ao documentário Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse, realizado pela produtora e esposa do diretor, Eleanor Coppola, sobre as loucuras dos bastidores das filmagens, fiquei a imaginar o seguinto no ser humano: ele é capaz de praticar o bem criando obra de arte – Apocalypse Now, feito Francis Coppola; mas é capaz de praticar o mau, destruindo uma nação, com no caso de LLULLALLADRÃO, destruindo o Brasil e os brasileiros.

      Appocalypse Now é genial e seu comentário, o reconhecimento dessa genialidade.

    • Meu estimado Helio Araujo Pontes,

      Esse filme, também na minha modesta opinião, se compara a todas obras-primas de temas diferentes já produzidos pela Sétima Arte.

      Em qualquer lista dos melhores filmes já realizados para o cinema, Appocalypse Now tem local de destaque por ser um filme louco abordando a loucura, sem contar que ele deixa uma grande lição à humanidade: para que serve a GUERRA?

      Braçaço estimado comentarista, com ótimo dia e excelente semana.

  2. Parabéns, meu caro Ciço.

    Este é o artigo mais perfeito e mais honesto sobre um filme.
    Somente quem tem uma grande sensibilidade cinematográfica e realmente
    entende da mecânica do cinema , pode falar com conhecimento de causa
    sobre um filme ousado, que se tornou uma obra de arte.

    A meu ver, esse filme tem uma criatividade única e não pode
    e não deve ser comparado a nenhuma outra criação cinematográfica.

    Não é melhor, nem pior, mas é única no seu contexto e deve ser julgada e
    compreendida como tal.

  3. Obrigado, querida príncipa!

    Como está se recuperando? Como estão os ânimos?

    Ainda não estou sorrindo, pois o H3N2 é terrível!!

    Mas, como nunca perdi a esperança em viver para cumprir o meu fado aqui na terra, estou começando a engatinhar.

    A próxima crônica, sobre Maria Bago Mole, a mina dos olhos do querido Sancho, voltado da Mata Sul de Pernambuco, onde foi à procura de meninas para o cabaré, vou dedicar – RESPEITOSAMENTE – à principa!

    Abraçaço, com ótima recuperação aos três.

    • O município da origem do cabaré é Carpina, que fica na Zona da Mata Sul. Surgiu na Vila dos Vinténs, uma bifurcação por onde transitavam caminhoneiros, cortadores de cana e limpadores de mato dos engenhos de Carpina.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *