CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Prédio das Lojas Mesbla da Avenida Conde da Boa Vista

Ano de 1988, auge das Lojas de Departamentos Mesbla S/A.

Naquela época a Loja incorporava no seu prédio sede, situado na Avenida Conde da Boa Vista, Recife-PE, a parte de venda a varejo, o setor de crediário e cobrança, este nos fundos da loja sede, no primeiro andar.

Nessa época houve uma fusão na cobrança e crediário, com a implantação do sistema computadorizado. Os clientes faziam as compras e os pagamentos dos carnês eram confeccionados no Rio de Janeiro, na sede matriz. Por causa dessa unificação computadorizada havia muitos erros nas baixas dos pagamentos dos carnês e a maioria dos clientes recebiam carta de cobrança, mesmo já tendo pagado seus carnês, sem contar que eram “negativado no SPC por ausência de pagamento dos carnês constatado…

Nessa época o balcão de cobrança da loja fervilhava de gente indignada, reclamando da não chegada dos carnês e extratos e de suas negativações indevidas no SPC. Devido ao grande contingente de clientes reclamando todos os dias na loja, esta teve de recrutar vários atendentes e treiná-los para atender no balcão, que a cada dia se entupia de cliente reclamando da incompetência da loja em não dar baixa nos pagamentos no sistema e, com isso, impedir a inclusão de seus nomes no Serviço de Proteção ao Crédito.

Dentre esses contratados a loja recrutou um baxim da ureia de abano e pavio curto, curtíssimo, chamado Alan que, após os treinamentos fora escalado imediatamente para o setor de cobrança, linha de frente, atender o público que chegava à cobrança com o nervo a flor da pele, virados no “pentei de barrão.”
Na estreia, Alan já sentiu na pele que não tinha vocação nem paciência para atender o público. O primeiro cliente que atendeu já foi trocando farpas ao ponto de quase irem às tapas na divisória do balcão. Era “um tal de mal educado praqui,” “desaforado pralá” e ninguém se entendia.

No outro dia, a história se repetia com mais intensidade: xingamentos, “fi de maria rolete praqui,” “fi de maria pacaré pracá,” com o blafáfá comendo na casa de noca, e nada dos ânimos cessarem.

Três semanas nessa pisada, Alan já estava com o bofe cheio e os nervos a flor da pele. Um dia, assim que a loja se abriu apareceu do nada uma senhora virada no prego enroscado e se dirigiu para Alan, que já tinha discutido com o cobrador de ônibus por causa de falta de troco, na viagem ao trabalho.

– Ei, mocinho. É com você mesmo que quero falar. Não fuja da raia não. Venha cá seu desaforado – instigou a cliente para Alan.

Alan, fingindo que não era com ele, se aproximou de mansinho da cliente e foi logo perguntando:

– Qué que a senhora quer?

– Eu quero que você me responda o que diabo eu devo a Mesbla para ela andar me cobrando uma prestação já paga há mil anos e ainda por cima colocado meu nome no SPC, e jogou o carnê em cima de Alan.

– Oi! – disse Alan para a cliente… É que houve algumas cobranças não computadas e a cobrança mandou cartas de cobranças…

– O senhor – prosseguiu a mulher virada no prego quente, tá com um erola, rola aí defendendo a Mesbla que não vale merda! Todos vocês são uns incompetentes, e em dedo em riste para Alan, disse:

– Eu quero falar com seu chefe porque estou sentido com senhor é um bosta que, além de não entender nada de cobrança, é um ignorante no trato com as senhoras donzelas feito eu.

– Virado no pentei de barrão, Alan respondeu a cliente:

– A senhor não sabia que a Mesbla era assim, porque foi comprar? Eu não mandei a senhora comprar, mandei?, a senhora comprou porque quis…

Como a cliente permaneceu exaltada e instigando Alan, este abriu a porta que separava o balcão para dentro do setor e disse: olhe o chefe ali. Vá lá reclame a ele porque quem já está de saco cheio sou eu! E deixou o balcão com menos de um mês de trabalho, dizendo – “o diabo é que volta para trabalhar nessa porra!” “Atender o público é FODA!” – concluiu.

10 pensou em “ALAN – O INCORRIGÍVEL PAVIO CURTO

  1. Caro Cícero

    Sua crônica da vida real revela de modo encantador o dito corrido e escorrido na Literatura: “Às vezes, a realidade supera a ficção”. É a “crônica do pernambucano arretado”, não no sentido de bom, ótimo. como é visto. Mas diferenciado, divirtido até.
    São muitos os tipos pernambucanos. De quebra você nos diz como era a Mesbla no Recife.

    Grato
    Brito .

    • Meu caríssimo confrade Brito, o biógrafo mais completo das minibibliografias não-oficiais que estão enriquecendo as estantes desconhecidas.

      Admiro demais seu trabalho. O mestre está resgatando os porões dos registros públicos que nunca foram catalogados e nunca tiveram a atenção dos historiadores oficiais.

      Meus parabéns por essa disposição histórica.

  2. Ciço, meu bom compadre: poucas vezes ri tanto, imaginando a cena. Você atingiu o âmago da porralouquice em meu bestunto. Viva! KKKKKKKKKKKK. Um abraço, votos de saúde e alegria!

    • Estimado Magnovaldo Bezerra (ou Santos?)

      A recíproca é verdadeira: eu rio demais com as suas crônicas de trabalho e o mestre rir muito das minhas crônicas do cotidiano da época.

      Feito o mestre, possuo dentro de mim muitas histórias hilárias armazenadas no consciente durante esses tempos idos e vividos.

      O SANCHO PANÇA é um mestre nessa cadeira alimentar, principalmente pelo senso de humor GENIAL!

      Parabéns a ambos.

      • Prezado compadre: meu nome completo é Magnovaldo Bezerra dos Santos, ou seja, tanto faz ter ou não o “Santos”. Também serve “ei, você aí”.
        Tenha um lindo dia, cheio de saúde e paz. Abraços.

  3. Sobre tais tretas, QUEM NUNCA?

    Ao Alan esqueceram de ensinar regrinhas básicas: 1. Agradeça seu cliente por reclamar · 2. Mantenha a calma · 3. Não se abale · 4. Conforte-se com o conflito.

    Lembro que no Wallmart, assim que começou a funcionar no Brasil, havia placa a dizer:
    Regra número 1: o cliente sempre tem razão;
    Regra número 2: releia a regra número 1.

    • Sancho Pança é um mestre nas histórias relatadas. Mistura todos os fatos no liquidificador arno e o resultado é uma crônica sobre tudo que nos delicia.

      Sancho é o estandarte do JBF.

  4. Alan, o atendente de balcão da Mesbla S/A, foi o homem de pavio mais curto com que tive a oportunidade de conviver!

    Era capaz, fosse hoje, de sair até o puteiro de Brasilia para dizer tão somente ao Lúcifer de Caetés: “OH!, cara, tu não tens escrúpulos, não é?”

    “Fudendo a nação em nome de um “cuminismo” que nunca vai existir nem aqui nem no inferno?”

  5. Parabéns pela ótima crônica, querido colunista Cícero Tavares! É da gente não parar de rir… Alan tinha o pavio curto e não levava desaforo pra casa. Sem experiência nesse tipo de trabalho, enfrentar logo o setor de reclamações da Mesbla, o surto nervoso foi inevitável…rsrsrs

    Grande abraço e sucesso sempre, com seus excelentes textos!.

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