MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Diz uma velha piada que existem dois tipos de pessoas: aquelas que dividem as pessoas em dois tipos, e as que não dividem. Piadas à parte, existem (obviamente) infinitas características humanas que podem ser medidas para classificar as pessoas em dois ou mais grupos. No mundo de hoje, eu vejo como muito importante uma distinção de caráter político e econômico: as pessoas que defendem a liberdade e as pessoas que defendem o governo.

Muitos podem dizer que essas posições não são opostas, e podem até mesmo afirmar que o governo é necessário para garantir a liberdade. Seria verdade no mundo teórico das boas intenções, não na prática. É justo afirmar que é da natureza humana viver em sociedade, e toda sociedade tem líderes. Mas existe uma grande diferença entre a liderança e o governo: a liderança surge espontaneamente, e se baseia na confiança dos liderados. Já os governos, assim que surgem, se atribuem o monopólio da força e montam grupos armados para garantir esse monopólio; e daí em diante, apoiados nesta força armada, se atribuem o monopólio de todos os outros poderes, extinguindo direito por direito até que o cidadão seja reduzido a um mero pagador de impostos.

Nenhum governo na história reduziu seu tamanho ou seu poder por vontade própria. Ao contrário, todo governo cresce continuamente, através de novas leis, novos departamentos, ministérios, secretarias e agências, tudo sustentado por novos impostos. Um governo só diminui quando desmorona sob seu próprio peso (levando o país junto) ou quando é derrotado por outro governo mais forte, geralmente em uma guerra.

Quem defende a liberdade individual não deve acreditar que existam governos bonzinhos. A existência de um governo, seja “ditatorial” ou “democrático”, sempre será uma ameaça para a liberdade, e aqueles cujas idéias e ações se tornarem inconvenientes serão perseguidos, processados, presos e até mesmo mortos. Os demais verão sua liberdade sendo tolhida migalha por migalha, com cada pequeno detalhe da vida particular sendo regulamentado, controlado, fiscalizado e taxado pelo governo, até o ponto em que o mundo real e o mundo das leis e decretos se confundam como uma coisa só.

Não se trata de acreditar que poderemos ter a extinção do governo em curto prazo. É mais uma questão de postura: lembrar sempre que o governo é apenas um funcionário do povo; lembrar sempre que um governo não detém poderes, e sim atribuições, e que seus integrantes devem ser responsabilizados quando estas atribuições não são cumpridas.

Infelizmente o poder excessivo que os governos conquistaram ao longo do tempo lhes permitiu moldar a sociedade e as instituições a seu favor, de modo que hoje em dia ser subserviente ao governo é algo que é introduzido na mente das pessoas desde a tenra infância, e com grande sucesso (“dê-nos a criança em seus primeiros anos de vida, e ela será nossa por toda a vida”, diziam os jesuítas). Em muitos casos, essa subserviência é quase inconsciente, mas em outros casos ela se manifesta como uma forma específica de pensar. As mais comuns são:

– O humanitário: é aquele que acredita que o governo é “bonzinho” e ajuda os mais necessitados com saúde, educação, segurança, justiça, etc, etc, etc – tudo de graça. (Não é de graça, óbvio, pelo contrário; tudo que o governo fornece é pior e mais caro do que se fosse fornecido pela iniciativa privada.)

– O igualitário: é aquele que se incomoda com a idéia de alguns terem mais que outros. Para “corrigir” isso, ele deseja um governo que está permanentemente tirando dos mais ricos para supostamente dar aos mais pobres. (Todos sabemos que governos distribuem o que tomam dos ricos para si mesmos, e os mais pobres ficam apenas com os restos.)

– O paternalista: é aquele que não gosta de ver as pessoas sendo adultas, tomando decisões por si mesmas, e prefere que o governo trate todos como crianças e decida por eles. (Claro que é uma péssima idéia, até mesmo porque em uma sociedade que infantiliza as pessoas, em pouco tempo o governo também será formado por pessoas infantis.)

– O privilegiado: é aquele que quer um governo forte para garantir para si privilégios que acredita ter por fazer parte de algum grupo especial. Idade, sexo, cor, tudo é motivo para se considerar “especial”, para não falar dos ciclistas, vegetarianos, pais e mães de pet, ecologistas, moradores de comunidade, artistas da TV, ex-participantes do Big Brother e muitos outros.

– O utilitarista: é aquele que considera o estado útil para “consertar” as supostas falhas que a liberdade traria. (A prática, porém, demonstra que cada suposta “solução” imposta pelo estado gera três ou quatro novos problemas.)

– O teocrata: é aquele que deseja um governo forte que transforme a sua religião – e muitas vezes a sua interpretação pessoal da religião – em lei e que imponha as suas regras a todos. (Não é, obviamente, uma boa idéia, mas as pessoas que defendem essa idéia tendem a ser completamente surdas e cegas a qualquer argumento. Pior ainda: quando um grupo teocrata consegue chegar ao poder, costuma se fragmentar em pequenos sub-grupos que lutam entre si pelo poder e promovem discussões ásperas sobre pequenas divergências de interpretação das supostas regras sagradas.)

– O resignado: é aquele que acha que ter um governo mandando em todos é inevitável, e portanto não vale a pena se preocupar com o assunto. (É importante ter em mente que governos não são sempre iguais, e sempre é possível trocar um governo péssimo por outro um pouco melhor.)

Conscientes ou não, o fato é que o número dos subservientes ao estado vêm crescendo, e a liberdade, juntamente com os direitos fundamentais, corre o risco de novamente ser reduzida a um conceito semi-esquecido, em uma nova idade das trevas.

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