JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Volto a escrever no JBF depois de férias. E já digo qual a notícia que mais me preocupou, durante esse tempo em que andei longe das folhas ‒ a da minha morte.

Foi assim. O ilustre Francisco Queiroz Cavalcanti, ex-presidente do TRF da 5ª Região, me mandou mensagem (transcrevo como foi postada) que recebeu pelo zap: “ZÉ PAULO CAVALCANTI ou ZÉ PAULINHO, como conhecido: Pesar pelo passamento de Zé Paulinho, contemporâneo de trajetória democrática, acima de tudo. Sempre com opiniões firmes, mesmo que eu pudesse dele discordar nos últimos tempos (trata-se de mais um que considera seja, essa corrupção de Petrobrás e agregados, só uma “conspiração inventada por Ministério Público do Brasil e governo dos Estados Unidos”), mas ele argumentava com muita propriedade (se é “com muita propriedade”, por que discorda?). Valorizava o estudo, a cultura. Inesquecível será, pois era e é um expert em Fernando Pessoa. Perde a cultura; vai-se um imortal. Zé Paulinho estava no patamar de quem se cuidou intelectualmente: um leitor, um analista da cena nacional política e cultural. Claro que isso faz uma falta danada. Não era um ser raso. Muito ao contrário. Acompanhava-o pelos seus artigos, nos jornais. Pelos seus debates da CBN, com as suas agudas análises. Um independente no pensar!!! Repito: um independente no pensar!!! Meus duplos respeitos ao ser humano e ao homem da cultura. Condolências aos colegas do MP-PE (como?, se não sou de lá), Allana (mínima ideia de quem seja) e Zé Paulo (quem?) em especial. A.S.F. 20/01/2024”.

O que fazer numa situação dessas?, eis a questão. Mal não estava, pelo contrário, que no momento da ligação jogava tênis. Ainda vivo, claro, e pode lá um morto jogar tênis? Como se responde a uma notícias dessas, caro leitor, que se alastra como fogo subindo morro ou água descendo? Para minha sorte, o amigo Luiz Andrade logo esclareceu o ocorrido em mensagem no zap da APLJ: “Boa tarde, confrade José Paulo Cavalcanti Filho. Faleceu hoje um xará seu, pai de um companheiro homônimo do MPPE e alguém confundiu com sua pessoa. Apressei-me em esclarecer o terrível equívoco”. Ainda bem. Tratava-se de José Paulo Cavalcante Xavier (que Deus o tenha), pai de outro José Paulo, Cavalcante Xavier filho. Reverências ao morto, solidariedade aos familiares e obrigado Luiz Andrade, fico devendo mais essa.

Pior é que nem deu para ficar com raiva, que o autor da nota foi até simpático. E enganos assim podem ocorrer. Seja como for já digo a quem quiser escrever sobre isso, algum dia (lá pelos anos 2070 ou mais, espero), guarde esse papel que, quando chegar minha hora, já estará tudo pronto. Basta só copiar.

Para ficar no tema, lembro quando estávamos um dia no cemitério de Santo Amaro, em frente ao túmulo do governador Agamenon Magalhães ‒ avô de Maria Lectícia, bom lembrar. Creio ser o maior de lá. E está quase vazio, dentro apenas o próprio, dona Antoniêta e mais uns poucos. Então, do nada, ela olhou para mim e disse

‒ José Paulo, quando o primeiro de nós dois morrer EU vou enterrar VOCÊ aqui.

Tudo bem, que com certeza prefiro ir antes. Machado de Assis disse o mesmo a sua mulher, Carolina. Mas uma coisa me preocupou, onde? exatamente. É que no lado direito do túmulo, gravado no mármore a inscrição “História”, de tarde o sol é de rachar. Não há quem aguente. Enquanto no esquerdo, com a inscrição “Virtus”, há sombra de uma pequena mangueira. Então perguntei

‒ De que lado?

‒ Você escolhe.

Preferi o da sombra, claro, as tardes ali vão ser bem mais agradáveis. O que me torna um privilegiado, não é todo mundo que pode escolher o lado do túmulo em que vai ser enterrado. Desde já grato, dona Lectícia.

Aproveito e lembro dois pedidos que lhe fiz, na hora. Primeiro é ser enterrado com charuto e caixa de fósforos junto, pelo sim pelo não… Segundo, e com óculos. Até porque nasci usando. E não tiro para nada, sequer para mergulhar no mar. A ideia nasceu quando, no Morada da Paz, vi a queridíssima Ana Coutinho no caixão com os tais óculos. Dona Lectícia perguntou se não seria mais elegante por no bolso do paletó. Recusei, explicando:

‒ Não acredito em céu, mas vai ver que exista. Também não acredito que mereça ir prá lá, mas quem sabe vá. O risco é chegar e, na entrada, um cidadão vir falar

‒ Tudo bem?, amigo Zé Paulo.

E eu, sem ver nada caso não esteja com os tais óculos,

‒ Perdão, mas quem é Vossa Senhoria?

‒ Não tás me reconhecendo?, rapaz, sou J. Cristo.

Já pensou a vergonha? Embora creio que, generoso como (dizem que) é, haveria de compreender. Seja como for, pelo sim pelo não, e para evitar maiores constrangimentos, insisto nos tais óculos.

Outro problema é que recebi, do Governo, a ordem do Cruzeiro do Sul. Mais importante condecoração do Brasil, tanto que só pode ser entregue pelo Presidente da República. Ligou para mim um diplomata do Itamarati para definir os detalhes da cerimônia. Agradeci e pedi mandassem pelos Correios, já passei da idade em que me encanto com essas honrarias. Ele respondeu “Será a primeira vez, que todos chegam aqui com fotógrafos para por nos jornais de suas cidades”. Insisti. E correu tudo bem. Chegou numa bela caixa de madeira. Enorme, a medalha é quase do tamanho de minha barriga (que já não é pequena). Problema é que ninguém sabe que recebi. O que não é muito bom. Então, desejando que todos tivessem conhecimento, perguntei a dona Lectícia

– Pelo menos vai por no caixão durante meu velório?

‒ Não!

‒ E por que?

‒ Porque é muito brega!!!

Em resumo, serei um dia enterrado sem medalhas. Tudo bem, não vou insistir. Mas, pelo menos, com charutos e de óculos. Assim espero. Por tudo, então, encerro essas primeiras linhas do ano dizendo ser um prazer estar de volta ao JBF. E vivo, graças. Adeus.

13 pensou em “AINDA BEM

  1. Relaxe, você é imortal. Agora, é boa a providência de levar os óculos. À sombra, terá muito tempo pra ler. Em relação aos charutos….vai que o pessoal lá entre com uma medida protetiva. Deve ter ações contra o tabagismo….

  2. Esse homem só poderia ser mesmo um Imortal, pra escrever tão bem assim. Vida longa a esse maestro das Letras. Dr. José Paulo Cavalcanti Filho, nós leitores somos eternamente gratos pela sua grande contribuição para nosso literatura brasileira. Deus mantenha o senhor aqui na terra por longos anos, nos enriquecendo com a sua maravilhosa escrita. E viva ávida.

  3. Voltar às páginas deste JBF, vivo, principalmente, é um deleite para todos nós que admiramos os escritos desse colunista, Dr. Zé Paulo. Apenas acrescentaria, como sugestão (e que a providência só venha a ocorrer em meados do ano 2074), que além dos óculos, do charuto e da caixa de fósforos dona Lecticia não esqueça de vesti-lo com seus inseparáveis suspensórios, para que não haja dúvidas sobre quem está ali para sempre, descansando à sombra da frondosa mangueira. Sem esse acessório, certamente pairará a incerteza sobre a identidade daquele homem que ali repousa. Se ao menos houvesse medalhas e comendas sobre sua barriga … Se muito não for pedir, que lhe deixem à mão um lápis e um papel: suas crônicas merecem que continuem. Até Jesus Cristo gostará.

  4. Texto, simplesmente fenomenal, inteligente e mais uma penca de adjetivos análogos!!
    Saúde e vida longa, Mestre Zé Paulo!!

  5. Caro Sr. Paulo, folgo em saber que estas de volta a esta Gazeta Escrota e com saúde, apesar da notícia de seu passamento, que logo vi que era uma brincadeira de alguém gazeteiro.

    Como pode alguém dizer que o Sr. consideraria a corrupção da Petrobras e agregados, só uma “conspiração inventada por Ministério Público do Brasil e governo dos Estados Unidos”? O Sr. Precisaria estar sem os inseparáveis óculos para ter esta “visão”.

    No mais, vejo que, apesar de se apresentar como materialista e ateu, tem muitas preocupações com o pós mortem. Um paradoxo.

    Muita saúde e que até 2070 o Sr. nos brinde aqui com suas crônicas cheias de conhecimento.

  6. Esse equívoco é sinal de que o Senhor vai viver mais de cem anos, prezado Dr. José Paulo!
    Graças a Deus o Senhor está são e salvo e voltou às páginas do JBF, para felicidade dos leitores e de todas as pessoas que lhe querem bem.

    Grande abraço, extensivo à D. Maria Lectícia!

  7. Os textos do Dr. José Paulo Cavalcanti são como seus livros, dispensam comentários.

    Neles só há sabedorias e decências.

    Leiam todos SOMENTE A VERDADE. Uma obra-prima!

    Os demais? Bem, os demais são clássicos da literatura portuguesa.

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