JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Fernando Pessoa (em O marinheiro) dizia “Falar no passado – isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena”. Talvez seja mas, ainda assim, volto a reminiscências da transição democrática, em 1985. Para lembrar três histórias envolvendo Fernando Lyra. A ver

1. VOU SER MINISTRO. Todos sabiam que Fernando seria ministro, provavelmente da Casa Civil. Só que o lugar ficou com o mineiro, como como Tancredo Neves, José Hugo Castelo Branco. E nada. Sobrava só o ministério da Justiça. Sem nenhum convite (história contada por José Sarney, que ouviu esse relato do próprio Tancredo). No Riacho Torto, belo dia, Fernando chegou para ver Tancredo e disse

‒ Presidente, os jornalistas aí fora perguntaram qual seria o ministério que me caberia e respondi Eu vou ser ministro da Justiça. Algum problema?

Nenhum, pelo visto.

2. PAI DE SANTO. Sarney também contou quando, Tancredo morrendo em São Paulo, Fernando chegou

‒ Notícia boa. Fui, com a Polícia Federal, a terreiro onde se fez um feitiço contra Tancredo.

‒ Como é?

‒ Levamos lá um Pai de Santo que encontrou o lugar certo e desenterramos uma boneca cheia de alfinetes. Acabamos com essa magia negra.

Talvez não, que Tancredo morreu dois dias depois.

3. A VANGUARDA DO ATRASO. Teatro Casa-Grande (Rio), lotado. Ato para celebrar o fim da censura. Naquele dia, liberamos os últimos livros ainda proibidos: Aracelli meu amor, de José Louzeiro; Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva; e Zero, de Ignácio de Loyola Brandão. Além de um caminhão de músicas de duplo sentido, quase todas feitas para o público do Nordeste brasileiro. Depois de 20 anos de governos autoritários, afinal, o ministério da Justiça se limitava a indicar a faixa etária dos filmes. Sem mais censurar músicas, peças teatrais ou livros. Todos fizemos discursos. Chegou a vez do ministro Lyra. Foi ele falar no presidente Sarney e se ouvir uma vaia grande. Injusta, em meu olhar. Por estar conduzindo bem sua missão principal – que era operar sem traumas, numa quadra histórica complicada, a transição. Da ditadura para uma Democracia florescente. As manifestações eram ainda reflexo de quando foi presidente da Arena; e, depois, do PDS. Lyra, então, começou a defender Sarney

– Minha gente, vocês não o conhecem. Ele é do Maranhão, verdade. Mas tem uma boa visão do mundo. Esteve junto aos militares, também verdade. Mas, agora, está conosco.

E o público indócil. Fernando aumentou a voz.

– Ele foi da Banda de Música da UDN. Sei que a UDN é o atraso. Mas Sarney tem consciência do futuro e está muito à frente disso tudo. É a Vanguarda do Atraso. Foi assim que aconteceu.

O teatro veio abaixo com aplausos ensurdecedores. A fala era um elogio. Para dizer que Sarney seria um avanço, em relação ao passado. Mas acabou recebida como crítica. E, até o fim do seu governo, virou mantra ‒ A Vanguarda do Atraso.

P.S. Vênia para comentário que não tem a ver com o restante da coluna. Para dizer que, nesta segunda, o pernambucano de Taperoá (Paraíba, terra também de Ariano) Silvio Meira, criador do CESAR e do Porto Digital, foi entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura. Para não ir longe demais, três conclusões que se deve tirar:

1. Silvio Meira é gênio absoluto.

2. Os perguntadores chegaram no programa se achando iluminados, dava para ver nos rostos; e saíram de cabeças baixas, deprimidos, com a certeza de que ainda precisam estudar muito.

3. Difícil entender como o Brasil, que tem tanto a fazer para construir seu futuro, ainda se dê ao luxo de nomear representantes da velha política para ministérios importantes como da Educação ou da Ciência e Tecnologia, esquecendo quadros relevantes como Silvio Meira. Algo está errado, nessa lógica. E fica explicado porque estamos condenados a permanecer presos no passado, pobres de nós.

5 pensou em “A VANGUARDA DO ATRASO

  1. Dr. Zé Paulo,

    São excelentes suas reminiscências da época do governo Sarney, tendo Fernando Lyra como Ministro da Justiça. Lyra e vossa senhoria davam moral ao governo do homem do Maranhão, pelo caráter impresso!

    Acate-me um pedido, que servirá para o conhecimento de todos os leitores que o admiram e o têm como referência nesse país esculhambado politicamente.

    Conte-nos aquela história referente ao título inicial da sua obra-prima: Fernando Pessoa – Uma Quase Autobiografia, que Dona Maria Lectícia reprovou “na bucha” quando vossa senhoria o apresentou a ela!

    “Com esse título, você vai afastar todos os eleitores!”

    Inteligente e sábia literária!!!

    P:S:

    Melhor livro que já li até o presente momento:

    “SOMENTE A VERDADE”.

  2. Mestre José Paulo
    Fez relevante contribuição ao indicar Silvio Meira para algum Ministério da República.
    Além deste, ainda pouco conhecido, temos um mais óbvio, conhecido e testado na política: Cristovam Buarque de Holanda. Por onde anda Cristovam?

  3. Comecei a ver o vídeo da entrevista e não gostei.
    Começou falando de um negacionismo científico recente sendo que foi o governo que, com todas as amarras orçamentárias, levou o Brasil a ser o 2º governo digital do mundo.
    Se foi pra agradar a plateia, perdeu um espectador.

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