No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.
Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!
Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto! …
Poeta igual a mim, ai que me dera
Dizer o que tu dizes! … Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto! …
Florbela Espanca, Vila Viçosa, Portugal (1894-1930)
Florbela lia muito.
Identificara-se com a mágoa descrita em um livro que recebera de um colega.
Viu no libro saudade, sofrimento; tudo isso estava descrito no livro.
Senti uma ponta de ciúmes da nossa poetisa por não tê-lo escrito.
Muito talentosa e ao mesmo tempo possessiva a rapariga.
Também senti uma ponta de ciúme disfarçada de humildade: “ai que me dera
Dizer o que tu dizes”…
Justo ela que tinha total domínio das palavras tristes e poéticas.