A modernidade acabou com as cartas pessoais via Correio. Fiquei surpreso ontem ao receber uma carta. Não constava o remetente. Tomei minha poltrona confortável, abri o envelope e li surpreso uma história de amor contada por uma mulher e pedindo para divulgá-la, transcrevo-a abaixo.
* * *
Maceió 13 de março de 2023
Meu querido escritor Carlito.
Sou sua fã número um, todos os sábados impreterivelmente leio e me delicio com as suas histórias bem humoradas. Quisera passar uma tarde com o Mestre, deve ser divertida a conversa. Mas, o motivo dessa carta é contar a minha história para você transformá-la num conto, tem toda permissão. Só não revelarei os nomes dos protagonistas. Invente.
Eu nasci e me criei no bairro do Bom Parto, mas precisamente na Grota do Padre, onde há muitos anos morava um padre. Conta a lenda que o padre era apaixonado por uma mulher casada, e nas “caladas” da noite se encontravam. Toda população sabia, menos o marido. Até que ele descobriu e cortou a cabeça do padre. A partir daí o padre aparece vez em quando à noite debaixo de uma arvore. Muitos moradores já viram o padre de batina e sem cabeça. Mas deixemos a lenda, a minha história é mais interessante. Meu avô ficou com uma casa quando a Fábrica de Tecidos Alexandria faliu em 1966. Minha mãe herdou, e quando se casou, ficaram morando na casa, onde eu nasci no primeiro dia do Século XXI, ou seja, 1º de janeiro de 2000. Fui criada livre perambulando pelos bairros vizinhos, nadando e pescando na lagoa Mundaú. Na adolescência me senti uma moça cheia de hormônios, namorava e ficava com quem aparecia. Minha mãe que se casou nova separou-se de meu pai. Ele saiu de casa ao levar um bruto chifre do vizinho. Mamãe, solteira novamente, caiu na gandaia, nunca vi uma mulher gostar tanto de farra e de homem, foi o exemplo que tive durante minha criação. Ela levava os namorados para casa, chegava embriagada altas horas. Vive de uma pensão que meu pai deposita todo mês. Mas, verdade se diga, ela incentivou meus estudos em escolas públicas, foi exigente.
Um pouco antes da pandemia, mas precisamente no início de 2020, comemorei meu aniversário com amigos em minha casa. Meu pai bancou a festinha no primeiro dia do ano. Nessa época eu namorava o Rodrigo, um cara alto, forte, bonito. Eu gostava daquele homem belo que era ótimo de cama. Quando ele entrou em minha casa, notei que minha mãe teve uma empatia com meu namorado. Passou a noite tentando saber detalhes da vida dele. Foi notório entre minhas amigas, algumas advertiram, cuidado com sua mãe. Eu não liguei para as desconfianças de minhas amigas. A festa terminou com o dia amanhecendo, minha mãe bêbada só queria ficar junto a Rodrigo, até que ela adormeceu, colocamos mamãe na cama.
O tempo passou veio a braba pandemia, todos os cuidados possíveis, máscaras, remédios, eu tomava tudo que aparecia, tinha pavor à doença logo que uma amiga morreu. Nessa época horrível continuei com Rodrigo que almoçava todos os domingos em minha casa, às vezes dormíamos juntos. Minha mãe sempre prestativa. Era, genrinho para cá, genrinho para lá.
Para encurtar a história no final do ano de 2020, numa segunda-feira, minha mãe chegou em casa ao meio-dia, estava taciturna. Depois do almoço ela pediu para ter uma conversa comigo no quarto, sentamos na cama, tivemos esse o diálogo.
– Minha filha. Quero você seja a primeira a saber. Estou grávida. Você vai ganhar um irmão ou irmã.
– Minha mãe que loucura, você me deixou feliz pelo irmão, mas preocupada, você tem 38 anos. Me diga: sabe quem é o pai com certeza?
– Sei
– Quem é esse meu “padrasto” minha mãe?
– O Rodrigo.
Eu me levantei, não sei se de raiva da traição, deu-me uma dor no peito, saí correndo abri a porta e caminhei automaticamente para um botequim à beira da lagoa. Pedi uma cachaça e chorando tomei várias doses enquanto pensava naquela traição. Já era noite quando eu embriagada andei até o centro da cidade, onde dormi num hotel fuleiro. Dia seguinte peguei meus panos e fui morar com uma amiga. Nunca aceitarei aquela traição, meu namorado virou meu padrasto, o menino nasceu. Hoje eles vivem juntos na casa da Grota do Padre. Sei que meu irmão não tem culpa, é lindo, já o vi várias vezes. Mas não consigo sequer me aproximar. Consegui me formar em enfermagem, sou excelente cuidadora de idosos. Solteira, vou levando minha vida, gosto da boemia, fim de semana nos barezinhos sem dar satisfação. Mas, levo ódio no coração, não consigo perdoar minha mãe. Não é interessante minha história? Digna de um de seus contos. Quem sabe se, algum dia, nos encontraremos num bar dessa linda cidade?
Um abraço e um beijo de sua fã número um. X.