MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Meu avô paterno, Manuel Julião, um dos primeiros habitantes de Laginhas, Rio Grande do Norte, capital intelectual, cultural, artística, política, industrial e militar do Seridó e suporte econômico de seu principal distrito, Caicó, partiu prematuramente deste mundo no final de 1976 aos 102 anos de idade. Quando completou 100 anos foi homenageado com uma apresentação da Banda de Caicó, que se deslocou até Laginhas para celebrar sua flamejante juventude.

Laginhas, Rio Grande do Norte, e o Poço de Santana, perto de Caicó

Ficando cego aos 90 anos, seu passatempo era contar histórias para os piás da região, cujas idades variavam de 8 a 80 anos. O velho Manuel Julião jurava por Santa Rita do Tapirapecó, sua protetora espiritual, que suas histórias não eram balelas, mas verdades verdadeiras e inquestionáveis.

Uma de suas histórias era relativa à serpente que habitava o Poço de Santana, perto de Caicó que, segundo a lenda, nunca seca.

Pois meu fidedigno avô Manuel Julião afirmava solenemente que um cabra arretado de Mossoró, passando perto do local, resolveu dar um mergulho no famoso Poço de Santana para se refrescar. Amarrou seu jumento, ficou em trajes sumários e pendurou seu relógio suíço Lanco de 25 rubis, Incabloc e pulseira de couro de crocodilo (note vosmecê a precisão da narrativa) no galho de um arbusto que estava perto. Relógio de última geração, pois que era automático e somente o balanço do braço era suficiente para dar corda naquela maravilha mecânica.

Relógio Lanco Automático de 25 rubis

A terrível serpente apareceu ameaçadoramente. Nosso amigo, apavorado com a visão daquele monstro, vestiu-se o mais rapidamente possível, montou no jegue e se mandou. Esqueceu-se do relógio. Lembrou-se dele quando já ia longe umas três léguas. Voltou ao local, mas não mais o encontrou.

Sete anos depois (claro, algum beradeiro desavisado pode afirmar que sete é conta de mentiroso) o nosso viajante estava de novo nas redondezas e se lembrou do Poço de Santana. Com um calor de dar brotoeja em picolé, resolveu voltar ao local para refrescar-se n’água. Assim que se preparava para mergulhar ouviu um “tic-tac” em um pé de jurema. Curioso, foi ver do que se tratava. E aí viu seu relógio Lanco automático de 25 rubis, Incabloc e pulseira de couro de crocodilo, enroscado em um dos galhos. Aquele arbusto havia crescido e agora já era uma arvorezinha. O vento balançava o galho e o relógio, com isso, tinha sua máquina alimentada.

O mais interessante é que, após tantos anos, o relógio estava marcando a hora certa, somente com um minuto e meio de atraso! Os suíços são fantásticos na fabricação de seus relógios!

Ninguém em sã consciência pode ter motivos para duvidar da veracidade das histórias de meu avô.

12 pensou em “A SERPENTE DO POÇO DE SANTANA

    • Oi Beni:
      Muito grato pelo seu sentimento de pesar pelo encantamento do meu avô, um emérito contador de estórias!
      Como já faz muito tempo, a dor já está passando!!!!
      Rs rs rs rs
      Tenha um excelente final de semana.
      Abraços,

    • Oi Clovis:
      Claro que, aos 76 anos, não me lembro de muita coisa dos detalhes da vida de meu querido avô. Não posso, pois, assegurar, mas o nome de Gaspar como um amigo dele não me é estranho.
      Eu tinha uma ligação muito forte com o vovô pois foi ele e minha avó materna Maria Christina de Medeiros que tomaram conta de mim e de meu irmão quando minha mãe faleceu e éramos ainda crianças (eu com pouco menos de 2 anos e meu irmão com 4).
      De qualquer forma, é sempre extraordinário saber de alguém que viveu na mesma época do vô Manuel Julião.
      Um fato interessante é que ele fez uma única viagem na vida: de Laginhas a Natal em 1909 (ano em que meu pai nasceu) que durou 23 dias no lombo de um jumento. Chegando em Natal viu o oceano e ficou assombrado com o tamanho do açude, mas logo se decepcionou amargamente em saber que tamanha quantidade d’água não servia nem para dar um gole pro seu jegue.
      Um grande abraço e grato pelo seu comentário.
      Tenha um excelente final de semana.

  1. (…) suas histórias não eram balelas, mas “verdades verdadeiras” e inquestionáveis.

    JBF, salutar reunião diária de pescadores, caçadores, centenários homens e outros mentirosos.

    Excelente o texto do MAGnífico magNOVALDO, o que não surpreende ninguém.

    Tenhamos um VERDADEIRO e excelente final de semana.

  2. Muito bom. Fiquei impressionado com tamanha precisão desse relógio. Passasse 100 anos o bicho continuava lá. Agora, 102 anos, uma pena. Na flor da idade. Semana passada faleceu na minha um cidadão com 106 anos. Setembrino. Nasceu no dia 07 de setembro 1915.

  3. Parabéns pelo ótimo texto, prezado Magnovaldo!

    Seu avô paterno deve ter sido uma figura extraordinária, pois, mesmo tendo perdido a visão aos noventa anos, dedicou-se a um passatempo saudável, passando a contar “causos”, para distrair os piás da região..
    É impressionante o caso do relógio perdido, e encontrado sete anos depois, no mesmo lugar e trabalhando perfeitamente, inclusive com o mesmo “tic-tac”.
    Lembrei-me dos “causos” de Seu Pantaleão, personagem de Chico Anísio.

    Um feliz fim de semana!

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