CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

O baiano Danilo abriu a janela da confortável suíte do Hotel Ponta Verde, encheu-se de recordações, estava extasiado com mar azul com matizes verdes. Logo telefonou para um amigo da cidade onde há 40 anos morou e cursou por cinco anos a Faculdade de Engenharia de Alagoas.

Danilo passou alguns dias sendo alvo de almoços e jantares por parte dos colegas. No sábado, enquanto esperava o amigo no lobby do hotel, avistou uma senhora, pareceu-lhe familiar, achegou-se, e o coração disparou ao reconhecer aquela jovem alegre, bonita que ensaiava, cantava e dançava o rock nas festas de Maceió. Doce e inesquecível namorada. Com certeza, chamou-a pelo nome.

– Tereza!

Espantada, ela levantou-se, aproximou-se, o sangue ferveu e explodiu ao reconhecer o amor de juventude, um grito saiu da goela.

– Danilo! Não é possível.

Abraçaram-se longamente, pensamentos rodando, 40 anos de lembranças repentinas e sentimentos passados. Ao arrefecer o ânimo e a emoção, sentaram-se no sofá sorrindo um para outro. Lágrimas correram nas faces de Tereza. Em um relance, o baiano fez uma rápida análise de seu ex amor: devia estar pelos sessenta, ainda uma mulher bonita, cabelos castanhos longos e lisos envolviam o rosto pouco machucado pela idade, olhos vivos castanhos, brilhavam cheio emoção. A boca carnuda era a mesma, ele dizia na época que seus lábios pareciam com os da Brigite Bardot. Tereza interrompeu-o:

– O que está olhando, seu cabra? Estou em forma, graças a muita malhação, bisturi e hormônios.

Conversaram bastante, Danilo contou que estava em Maceió para comemorar 40 anos de formatura. Confessou que, mesmo no tempo de casado, nunca esqueceu aquele amor juvenil, puro e bonito. Tereza emocionada deu um beijo em sua face, resumiu sua vida.

– Fiquei viúva há cinco anos, 3 filhos, 4 netos. Há algum tempo apareceu um câncer no seio, muita luta contra a doença, parece que venci, os últimos exames estavam bons. A compreensão da morte transformou minha cabeça. Hoje quero aproveitar o que resta, tenho vivido intensamente nesses últimos anos. Entendi que a vida é uma dádiva. Sou uma coroa alegre que ama estar viva.

Nesse momento apareceu um colega de turma vinha buscar Danilo para o almoço de despedida. Cumprimentaram-se, ela conhecia o engenheiro. Tereza perguntou o restaurante do almoço, ficou de telefonar para Danilo.

Passava um pouco das três horas no agradável restaurante Akuaba os engenheiros com esposas deleitavam-se numa caprichada moqueca de arabaiana com cerveja. Rolavam histórias, memórias e muito uísque. De repente surgiu Tereza, deu boa tarde, cumprimentou o pessoal, puxou uma cadeira, sentou-se junto a Danilo e cochichou no seu ouvido:

– Não lhe largo mais.

Chegaram no hotel às sete da noite cantando antigas canções. Sozinhos no elevador, beijaram-se. No quarto amaram-se como se o mundo fosse acabar. Danilo havia tomado uma azuladinha, ficou surpreso com a performance de Tereza; parecia uma loba no cio.

Depois do banho, enrolados em toalhas, sentados na varanda, pediram uma garrafa de uísque, os dois abriram os corações, contaram histórias de suas vidas. Tereza lembrou o pacto que fizeram de não escrever cartas. Ela na ilusão dele retornar sofreu muito quando soube que ele estava morando no Canadá.

– O tempo passou e eu desisti de você, meu querido, no que fiz bem. Casei-me, mas nunca lhe esqueci. Essa é a verdade.

– Não há mais tempo de pedir desculpas. Assim que retornei à Bahia, meu pai, deputado, logo arranjou um emprego irrecusável no Canadá. Tive dificuldades com a língua e a parte técnica nos primeiros meses, logo estava dominando a tecnologia moderna de construção. Tive vontade de lhe escrever, mas achei que estaria alimentando uma ilusão. Numas férias em Salvador conheci uma prima bonita e rica. Casei-me. Depois de 10 anos retornei ao Brasil, sempre com bons empregos arranjados pelo deputado, meu pai. Tenho dois filhos, três netos e um casamento desmanchado há alguns anos. Preferi ficar solteiro e boêmio. Nunca me prendi à outra mulher, acho que no inconsciente eu estava amarrado à você. Hoje me deu essa clareza. Tenho certeza, embora velhos, reencontrei o amor de minha vida.

Tereza aproximou-se deu um beijo em sua boca, desceu no queixo, beijou-lhe o peito cabeludo e o ventre, os corpos rolaram no tapete. Só adormeceram depois de mais sexo e muito uísque. Estavam bêbados.

Amanheceu o domingo, Danilo deu-lhe um beijo no rosto, ela acordou-se e o puxou, se amaram do jeito dos velhinhos, mas valeu. Passaram o domingo conversando no apartamento do hotel. Desceram apenas para dar uma volta na orla, tomar uma cervejinha numa barraca. O resto do domingo deitaram-se no tapete, se cheirando, se beijando, contando histórias, relembrando o tempo que Tereza era roqueira num conjunto da garagem de sua casa no bairro da Cruz das Almas e como ele gostava de dançar o rock levantando-a em volta de sua cintura.

Afinal chegou a segunda-feira ingrata, só para contrariar. Danilo tinha que deixar o carro alugado no aeroporto, o avião decolava às 14:00 horas para Salvador. Tereza o acompanhou, retornaria de táxi. O carro deslizava na grande avenida. Num impulso ela beijou sua mão, seu rosto, suas pernas. Danilo dirigindo e sorrindo pedia cuidado e juízo. Ao parar num sinal vermelho, uma van cheia de freiras parou justaposta ao carro de Danilo. As noviças ao perceberam o que eles estavam fazendo, ficaram escandalizadas, fizeram o sinal da cruz, balançaram a cabeça repreendendo aquela falta de vergonha. O semáforo fez-se verde, Danilo acelerou, ao mesmo tempo deu um grito, sorrindo.

– Sua maluca!

Na hora do embarque despediram-se entre beijos e lágrimas. Tereza retornou feliz da vida. Passou a semana recordando os bons momentos. Na quinta-feira telefonou para Danilo.

– Meu amor, agora não vou desistir de você nunca. Estou com a passagem para Salvador. Chego às 15:30 amanhã. Vou lhe procurar.

– Não precisa. Estarei no aeroporto.

2 pensou em “A ROQUEIRA

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