Editorial Gazeta do Povo
Juscelino Filho foi denunciado por desvio de emendas parlamentares para pavimentar acesso à própria fazenda no Maranhão
Longos dois anos após as primeiras denúncias envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), finalmente está fora do cargo, após ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República. O presidente Lula, que nos primeiros dias de governo afirmou que “quem fizer errado sabe que tem só um jeito: a pessoa será, simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo”, até cumpriu a promessa, mas com grande atraso e da forma exageradamente polida que havia anunciado, faltando-lhe até mesmo a decência de exonerar Juscelino por iniciativa própria.
Segundo a PGR, Juscelino teria usado emendas parlamentares, quando era deputado federal, para beneficiar a própria fazenda, na cidade de Vitorino Freire (MA), cuja prefeita é a irmã do agora ex-ministro. A Polícia Federal havia descoberto, já em 2023, que R$ 10 milhões em emendas teriam sido direcionados à estatal Codevasf, que por sua vez teria contratado, para realizar a obra, uma empreiteira da qual Juscelino seria sócio oculto. Além deste caso, Juscelino também esteve envolvido em outros escândalos, como o uso de jatos da FAB, com pagamento de diárias pela União, para participar de um leilão de cavalos em São Paulo (a investigação foi arquivada pelo Tribunal de Contas da União); o pagamento indevido de diárias por outras viagens nacionais e internacionais; e o desaparecimento de cavalos de raça na declaração de bens entregue por Juscelino ao TSE em 2022.
Tamanha leniência da parte de Lula em relação a Juscelino, que havia sido indiciado pela PF em junho do ano passado, tem explicação: o presidente já tem uma base parlamentar frágil e não quer se indispor com o União Brasil, partido do ex-ministro, que já é naturalmente dividido em relação ao governo Lula, com deputados e senadores fazendo oposição aberta ao petista. Assim, prestigiar Juscelino – e manter o Ministério das Comunicações sob controle do União mesmo após sua saída – é uma maneira de reter a fidelidade do restante do partido.
O escândalo que custou a cabeça de Juscelino Filho ainda é sintomático de outra distorção da vida política nacional. Não deixa de ser irônico que ele tenha caído pelo mau uso de emendas parlamentares, o meio que o Legislativo encontrou para se apoderar de fatias cada vez maiores do Orçamento federal. No Brasil, o Congresso controla o destino de um quinto dos recursos livres do orçamento – muito mais que em qualquer país da OCDE, onde essa porcentagem é muito menor, não passando de 1% em vários casos. Mesmo assim, deputados e senadores vivem à busca de novos meios de conseguir mais dinheiro – como as emendas de relator e as “emendas Pix” – enquanto recusam mecanismos de transparência sobre seu uso, motivo de uma disputa no STF.
O eleitor de direita haverá de pensar que é melhor deixar os parlamentares decidirem o destino do dinheiro que o governo Lula. Mas no passado foi Jair Bolsonaro quem teve de brigar para que o Legislativo não se apoderasse de cada vez mais recursos; este é um mal que independe de ideologia. Qualquer governo eleito precisa ter os meios (inclusive orçamentários) de colocar em prática o plano de governo que venceu nas urnas. Reduzir a porcentagem dos recursos públicos destinada a emendas, melhorar a transparência e aprimorar regras – por exemplo, substituindo a destinação específica do dinheiro por um direcionamento mais genérico, para determinadas rubricas – é uma forma de evitar que novos desvios ocorram. Evidentemente, um parlamentar disposto a roubar acabará achando outros meios, se não puder mais contar com emendas parlamentares; mas isso não é razão para deixar de fechar essa porta para a ladroagem.