As noites são belas, calmas e iluminadas, nas Queimadas, onde nasci.
Naquele tempo, as únicas luzes eram da natureza, ou, a luz das lamparinas e candeeiros – Vovó e Vovô se encarregavam de acendê-las.
O cansaço de mais um dia de puxado trabalho de carpina e virada de milho – com a maior parte usando a agilidade do Vovô, que, não apenas fazia. Ensinava para evitar erros ali, e além dali – na vida.
Sentei exausto na beirada da calçada de barro feita em estuque com apoio de pequenas estacas de madeira. A poucos metros, Vovô acendia e dependurava o candeeiro que diminuía a escuridão, iluminando o quintal ao derredor, que Vovó limpara na boquinha da tarde.
O cântico irritante, contínuo, mas belo das cigarras levava um ar de poesia que só conseguimos ouvir na calmaria e na escuridão noturna do sertão.
Levantei o olhar para o céu, onde, longe dali, as estrelas formavam o Cruzeiro e escreviam na minha mente, versos de uma poesia. Não tão distante, mariposas em mutação experimental para a transformação em borboletas, se permitiam ver, e, até ouvi-las, tamanho era o silêncio.
Difícil mesmo era não se deixar envolver em deslumbramento. Uníssono, tudo parecia a cerimônia de um casamento bem organizado – tudo dando certo e sendo belo. Poético!
Mariposas e borboletas escreviam um, dois, três versos – poeticamente
– Zé, quer café meu fio? Passei agorinha!
Vovó, claro que, sem saber o momento do êxtase que me envolvia, de hábito, sendo gentil e carinhosa.
Recebi a xícara, bebi o café – mas continuei embevecido e literalmente envolvido pelo céu e sua poesia, que, naquele momento, nenhum Drummond ou nenhum café da Vovó podia ser comparado.
Era a beleza sentida no âmago de mim mesmo – provavelmente tocado pela graça divina.
A noite. A incomparável beleza e calmaria da noite. Coisa de Deus.
A cigarra parou de cantar, de repente. Como um coral de mil vozes estivesse cantando “Aleluia”, e tivesse sido interrompido.
O céu escureceu. As estrelas sumiram. As mariposas se aquietaram e se recolheram.
O vento soprou forte e trouxe a chuva. Relâmpagos calaram – com certeza – as cigarras.
Levantei e fiquei olhando para o céu. A poesia foi transformada num dilúvio que só os pequenos animais noturnos pressentiam – mas que eu agora estava vendo.
E fiquei olhando. Consegui o impossível de ver o vento que tocava os galhos tênues das pequenas árvores, mostrando o quanto é poderoso.
A mariposa pousada observando a nuvem esconder a luminosidade lunar
A noite.
A noite não é apenas o espaço de algumas horas que antecede o dia. A noite é o momento onde a vida (inclusive a vida humana) começa se reproduzir, desde o recolhimento das cigarras e das mariposas, até o casal de humanos, que, em cópula, se reproduz e multiplica.

