VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

A música, assim como o circo, é o pão que alimenta o pensamento do povo, ajudando-o a esquecer, mesmo por alguns momentos, as agruras da vida, e renovando-lhe a esperança de um futuro melhor.

Desde criança, aos três ou quatro anos de idade, me apaixonei pelas “modinhas”, com que minha mãe me ninava.

Ainda lembro, com saudade, do dedilhado do meu avô paterno, MANOEL URSULINO BEZERRA, em Nova-Cruz, se acompanhando ao violão, enquanto cantava suas modinhas preferidas, ajudado por Dona Lia (minha Mãe). Entre outras, as modinha preferidas eram:

– “Praieira” ou “Serenata do Pescador” (de Othoniel Menezes e Eduardo Medeiros -considerada o “hino nacional potiguar”) – “Praieira dos meus amores/ encanto do meu olhar/ Quero contar-te os rigores……”)

-“Sertaneja” (René Bittencourt – “Sertaneja, se eu pudesse/ e Papai do Céu me desse/ o espaço pra voar”…….)

-“Nênias” (Vicente Celestino – “Murcharam no jardim os crisântemos/ as magnólias se despetalaram….”)

-“O Pajem” (autor desconhecido – “Pesadas trevas, úmidas caíam/ e o castelo real silente estava……);

-“Ontem ao Luar” (Catulo da Paixão Cearense- “Ontem ao luar/ Nós dois em plena solidão/ Tu me perguntaste/ o que era a dor de uma paixão…”)

Eu me emocionava também com as músicas da “Hora da Saudade” , que meu pai sintonizava no rádio à bateria.

As belas melodias, cheias de lirismo e “dor de amor”, sempre me encantaram.

Durante a minha adolescência, o rádio, com seus discos e cantores novos, apagaram quase tudo o que de original se cantava em Nova-Cruz e em Natal.

À medida que o tempo passou, as modinhas foram ficando esquecidas. Em algumas rádios, ainda se podia ouvir, tarde da noite, programas como “A Hora da Saudade”.

A Modinha é uma canção, composta de melodia e versos, e tem a necessidade da voz humana para expressá-los.

A verdadeira modinha é sempre um poema musicado em tom menor, com conotações tristes. É um gênero musical de canção sentimental brasileira e portuguesa, cultivada nos séculos XVIII e XIX.

A Natal antiga, incluindo o começo do século XX, caracterizou-se por um grande número de poetas, e músicos que compunham as melodias.

Em Natal, antigamente, cidade pobre em divertimentos, havia o hábito da serenata, favorecido pelo clima tropical, que proporcionava luares inspiradores e estimulantes. A sua beleza, estendida entre o mar, o rio Potengi e o alviverde das dunas, completava a inspiração dos poetas.

Havia os saraus familiares e serenatas ao luar, com seresteiros e trovadores.

Os instrumentos usados para acompanhar as modinhas eram o cavaquinho e o violão. O bandolim era usado por mulheres.

Natal foi um dos melhores centros de poetas e músicos, produtores de modinhas. O povo sentia necessidade de versejar e cantar.

A modinha marcou época, por seu caráter urbano. Sua música é bonita, aconchegante e triste, tanto no que se refere á parte melódica, quanto rítmica e harmônica.

Os temas da modinha não refletiam o ambiente rural, e as composições eram essencialmente urbanas. Mesmo assim, a divulgação pelo interior era grande.

Quando as modinhas eram cantadas em saraus, o teor das poesias era compatível com o ambiente. Também eram cantadas por mulheres, sem ofender o recato da época.

Já a modinha “seresteira” podia ser mais livre, mais amorosa e dava mais vazão ao conteúdo emocional da poesia.

O seresteiro, geralmente, tinha um objetivo definido, pois cantava à janela da amada e lhe transmitia uma mensagem pessoal e sentimental. O conteúdo falava de “declaração de amor”, “decepção amorosa”, “paixões violentas”, “paixões sem amanhã” ou “traições amorosas”.

As serenatas, normalmente, eram incentivadas pelo consumo de bebidas, e eram feitas tarde da noite.

Em noites de lua cheia, grupos de amigos vagavam pelas ruas, cantando à porta de famílias conhecidas, muitas vezes avisadas com antecedência. Fosse pobre ou rica, a casa abria suas portas e os seresteiros eram recebidos com comida e bebida, o que fazia com que retomassem forças para continuar fazendo outras visitas. Assim, passavam a noite, até os primeiros clarões da madrugada.

Os excessos vividos pelos poetas e músicos seresteiros (“pândegos”, como eram chamados), os conduziam à debilidade orgânica, principalmente à Tuberculose, a chamada “doença dos poetas”, que, naquela época, era fatal.

Com a evolução, ou “revolução”, musical, houve uma fase de transição e as velhas modinhas, já alteradas em sua estrutura melódica e harmônica, transformaram-se na atual canção brasileira.

A produção musical da Natal, na época da modinha, faz com que ela mereça destaque no cenário da música brasileira.

A música brasileira atual só precisa de ritmo. Uns cantam, outros batucam e dançam. Com raríssimas exceções, não há termos de comparação entre o que, atualmente, se vê na mídia, e o cenário musical de antigamente, quando se musicava a pura poesia.

4 pensou em “A MODINHA

  1. Violante,

    Parabéns por resgatar este gênero musical de canções líricas, sentimentais, que praticamente sempre falam de romance e que, às vezes, são declarações diretas de amor. A modinha está nas raízes da música popular tanto do Brasil quanto de Portugal. Segundo estudiosos, ela vem da moda portuguesa, que migrou dos meios rurais para os grandes centros urbanos e colônias do Império Português – que inclui o Brasil -, entre os séculos XVII e XVIII,
    O grau de influência da modinha na MPB de hoje está no lirismo das letras e na harmonia das melodias. Mário de Andrade (1972) observou que:
    “À medida que esta (a modinha) desaparece ou vive mais desaparecida dos seresteiros, vai sendo, porém, substituída pelo samba-canção, que é realmente uma modinha nova, de caráter novo, mas canção lírica solista, apenas com uma rítmica fixa de samba, em que, porém, a agógica não é mais realmente coreográfica, mas de canção lírica. Ora, isso é uma evolução lógica, por assim dizer, fatal. A modinha de salão, passada pra boca do povo, adotou mesmo ritmos coreográficos, o da valsa e o do xote principalmente. Ora, estes eram sempre ritmos importados, não de criação imediata nacional. O samba-canção é a nacionalização definitiva da modinha”. O seu artigo motivou a fazer uma pesquisa sobre modinha que enriqueceu meu conhecimento sobre o assunto. Valeu!

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e alegria,

    Aristeu

  2. Obrigada pelo rico comentário, prezado pesquisador e poeta Aristeu Bezerra!.

    Como o próprio nome sugere, o samba-canção indica uma aproximação do samba com a canção, sucessora da modinha, como modelo básico de música romântica, ao longo das décadas de 1920 e 1930.
    Uma característica marcante da Modinha é o dedilhado plangente de um violão ou cavaquinho, Somente em Saraus, havia complementação de um piano. Era poema musicado, para se ouvir e jamais para se dançar.

    A título de ilustração, compartilho com você, que é um grande pesquisador, palavras de Câmara Cascudo.

    Diz o Mestre Luís da Câmara Cascudo (em “ACTAS DIURNAS” – Crônicas publicadas na Tribuna do Norte – 18.04.1940):

    “O acompanhamento de modinha não é o solo de ” fox-trot” a saxofone. Tem um estilo, isto é, uma maneira, um processo conhecido e que não deve ser alterado. É tão respeitável quanto um coral. Fazer uma “jazz-band” acompanhar uma modinha é o mesmo que obrigar os vinte e cinco bombos de um maracatu executarem um moteto de João Sebastião Bach. Cada instrumento no seu galho. Não há execução nem habilidade capaz de justificar a presença de certos instrumentos em certas peças de canto.
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    Compreende-se que a modinha, canção romântica do século XVIII e que fez-se vitoriosa no século XIX, pertencia aos salões, e é produção mental superior, literalizada, feita por poeta sabedor de ritmos e seguro nas rimas certas. Passou a modinha às ruas pela serenata.

    Na primeira fase, é música de salão, de piano, instrumentos de corda, como violino e um de sopro, a flauta.
    Os acompanhantes à viola foram, primeiramente, aplaudidos. O violão chegou depois.
    A viola perdeu a coroa, indo para o povo, e aí se tornou privativa das cantigas e danças tradicionais. O violão ficou , com o violino, o piano e a flauta, pertencendo ao séquito da modinha. São esses os instrumentos modinheiros. O que existir, além desses enunciados, é exótico ou raridade.
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    O violão chegou mesmo a determinar a maneira do acompanhamento. Certas modinhas só serão dignas de audição e aplauso ao violão ou no estilo violonístico. Qualquer instrumento de sopro, fora a sonhadora flauta, é um macaco na loja de louças. Quebra totalmente o efeito, cismarento e doce, da modinha bonita.”…………………………….
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    Um grande abraço, e também um final de semana repleto de saúde, paz e alegria!

    Violante

  3. Muito bom e proveitoso sua, sempre amável e cativante, acrônica, Violante.

    A modinha se assemelha a bossa nova.

    A eterna Elis Regina, canta uma música, cujo título é MODINHA.

    Não, não pode mais meu coração
    Viver assim dilacerado
    Escravizado a uma ilusão
    Que é só desilusão
    Ah, não seja a vida sempre assim
    Como um luar desesperado
    A derramar melancolia em mim
    Poesia em mim
    Vai, triste canção, sai do meu peito
    E semeia emoção
    Que chora dentro do meu coração
    Coração

    https://www.youtube.com/watch?v=76Se5hxy8hQ

    Parabéns, grande dama do JBF.

  4. Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Marcos André!

    Ótima, a sua lembrança da música MODINHA, de Antônio Carlos Jobim, gravada por Ellis Regina.
    Lembrei-me de outra Modinha, de Sérgio Bittencourt, gravada por Taiguara:

    MODINHA
    Sérgio Bittencourt

    Olho a rosa na janela,
    Sonho um sonho pequenino:
    Se eu pudesse ser menino,
    Eu roubava essa rosa
    E ofertava, todo prosa,
    À primeira namorada
    e nesse pouco ou quase nada
    Eu dizia o meu amor,
    O meu amor…

    Olho o sol findando lento,
    sonho um sonho de adulto:
    Minha voz, na voz do vento,
    Indo em busca do teu vulto
    E o meu verso em pedaços
    Só querendo o teu perdão.
    Eu me perco nos teus passos
    E me encontro na canção.

    Ai, amor, eu vou morrer
    Buscando o teu amor…
    Ai, amor, eu vou morrer
    Buscando o teu amor…
    (Eu vou morrer de muito amor).

    Grande abraço, e uma excelente semana!

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