DEU NO JORNAL

Paulo Briguet

O Bessias, de office-boy a ministro, simboliza a política de favores e a ascensão por “fidelidade”, não por mérito, corroendo a República

Onde você estava no dia 16 de março de 2016? Lembro-me bem: era uma tarde ensolarada e eu estava escrevendo uma crônica aqui em casa, quando ouvi uma estranha conversa entre Dilma, a Mulher Sapiens, e seu padrinho político. Ali nascia oficialmente uma das figuras mais bizarras da nossa tragicomédia institucional: o Bessias.

Nasceu de uma ligação telefônica, não de uma conversa republicana, mas de um sussurro conspiratório. A então presidente, aflita com a iminência da prisão de seu mentor, profere a senha:

– Tô mandando o Bessias com o papel.

Era o termo de posse. Era o escudo. Era a tentativa de transformar um réu em ministro e o Palácio Presidencial em valhacouto.

– Só use em caso de necessidade – continuou Dilma – como quem entrega um salvo-conduto.

O país ouviu. Todo mundo ouviu. Alguns riram. Outros gritaram. Muitos entenderam que ali morria de vez o pudor republicano – e nascia um personagem.

Naquele dia, o Brasil não conheceu um jurista, conheceu um office-boy: um carteiro de ocasião com função sacramental, impedir a Justiça de alcançar seu destinatário.

Ele não deu entrevista. Não apareceu em vídeo. Não assinou nada. Mas entrou para a história com um apelido e uma frase:

– O Bessias tá indo.

O tempo passou. Pouco mais de nove anos depois, o país acorda com a notícia de que o portador virou destinatário.

Entre o “tá indo” e o “está nomeado”, houve apenas um verbo que explica tudo: recompensar.

Não se trata de mérito jurídico, embora diplomas sempre se encontrem para justificar o já decidido (o Brasil é o país dos diplomados). Trata-se de fidelidade ao Partido e coerência interna: quem leva um termo de posse em 2016 recebe um cargo vitalício em 2025.

A história não premiou um jurista: premiou um funcionário e fez dele guardião da Constituição. Bem, nós já sabemos como se comportam esses guardiões.

O office-boy virou oráculo. O estafeta virou estrela. O subalterno virou supremo.

Nada disso, porém, acontece por acaso. Não existe petista de graça. O Bessias não subiu ao altar da toga por flutuação mística: a ascensão do ex-carteiro da Dilma foi pavimentada com selos dos Correios.

Três diretorias da estatal — que acaba de anunciar um rombo recorde de 20 bilhões – foram oferecidas ao Senado em troca do sim sacramental. É a liturgia do balcão. Davi Alcolumbre, o sacerdote da sabatina, precisava ser acalmado. E não há calmante melhor do que uma estatal sangrando com vaga aberta.

A moeda de troca já foi o ouro. Hoje é o carteiro. O Bessias sobe ao Supremo como quem foi despachado por PAC expresso. Chamam isso de articulação política. Mas qualquer um que já entrou em repartição sabe o nome certo.

A instituição é suprema, mas o caminho até ela continua sendo o mesmo: o da velha escada do vale-tudo. Com selo, carimbo e código de rastreamento. Só assim para os Correios funcionarem!

Mas a trajetória do Bessias não parou no despacho de papéis ou nas diretorias trocadas por bênçãos senatoriais. Em 2023, ele fundou sua obra-prima: a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – um nome que, como todo nome soviético, diz o contrário do que faz.

A função oficial é combater a desinformação. A função real é combater a dissidência.

Sob seu comando, o governo passou a decidir o que é verdade. Criou-se uma espécie de Procuradoria da Verdade, um ministério informal encarregado de proteger o bom nome das políticas públicas – e, se possível, calar os que ousam discordar delas.

Nada mais coerente. O mesmo funcionário que um dia correu para salvar seu chefe da Justiça hoje corre para censurar quem ousa questionar seus chefes. O Bessias virou o guardião do discurso autorizado. Da função de levar o papel, passou à missão de controlar a palavra.

Parabéns, companheiro Bessias! Já pode assinar o termo de posse – e a certidão de óbito da República.

4 pensou em “A MARAVILHOSA ASCENSÃO DO COMPANHEIRO BESSIAS

  1. Por razões idênticas às alegadas pelo escriba Briguet, a certidão de óbito da nossa República poderia ter sido emitida quando da nomeação, pelo governo anterior, dos ministros Kassio e André Luiz, suspeitos, mas nunca contestados, tendo em vista que a nomeação é prerrogativa do Presidente da República, seja ele merecedor ou não do cargo que ocupa. Apenas como registro.

    • Caro Xico, André Mendonça ou Nunes Marques jamais serviram de office boy do Bolsonaro, assim como o Bessias, que se serviu desse papel.

      Ambos são chamados de mudinhos, por se manifestarem apenas nos autos, para desgosto de alguns tidos como seguidores do Bolsonaro. Jamais deram entrevistas sobre questões que poderiam vir a julgar, como é o caso dos amigos do Chefe.

      André Mendonça não foi contestado? Alcolumbre atrasou 8 meses sua sabatina, pois não recebeu biscoito (nomeações nos Correios), como supostamente é o caso atual.

      Não queira fazer equivalência entre o governo anterior e o atual. Eu te considero muito inteligente para isso.

  2. Meu caro João,
    claro que respeito sua opinião: a divergência é instrumento típico da democracia. Apenas quis registrar a similitude entre os procederes dos ambos por mim citados com a suspeita de que o ainda não nomeado, se o for, tambem assim procederá, na Suprema Corte.
    Seu elogio, ao final, deixou-me ancho que só um Papa que eu conheço, Editor-Chefe de uma Gazeta super escrota, gostosa de se ler.

    • Caro Xico, em que pese a nossa nítida divergência de posicionamento político, eu o respeito. Sei que deve viver em uma comunidade em que questionar o Sistema que sustenta este governo deve ser algo como um pecado mortal.

      Só o fato de estar nesta Gazeta Escrota totalmente democrática, onde prevalece (mas não é exclusivo) o pensamento conservador é muito revelador de sua índole.

      Quanto à inteligência, não o conheço pessoalmente, mas acho que sua trajetória de vida vencedora, já demonstra isso.

      Abraço

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