DEU NO JORNAL

Editorial Gazeta do Povo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A inflação de janeiro de 2023 teve uma leve desaceleração em comparação com o mês anterior, e o acumulado dos últimos 12 meses manteve-se estável, segundo os números divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira, dia 9. O IPCA de janeiro foi de 0,53%, contra 0,62% de dezembro do ano passado, e o acumulado anual caiu apenas 0,02 ponto porcentual, passando de 5,79% para 5,77%, um centésimo abaixo da projeção registrada pelo Banco Central em seu Boletim Focus da última segunda-feira. No entanto, a tendência entre os agentes do mercado financeiro ouvidos no Focus é de alta – apenas quatro meses atrás, eles previam um IPCA de 5,36% para este ano – e, a julgar pelas primeiras sinalizações do governo, para Lula o verdadeiro problema do Brasil não é a inflação, mas o fato de a autoridade monetária estar empenhada em trazê-la para níveis realmente aceitáveis.

A meta de inflação atual para 2023 é de 3,25%, com 1,5 ponto porcentual de tolerância para cima ou para baixo – ou seja, o IPCA acumulado em 12 meses teria de cair para 4,75% para estar dentro daquilo que o Conselho Monetário Nacional consideraria aceitável. Mas Lula já deixou claro que não gosta de uma meta de inflação baixa. “[Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central] quer chegar à inflação padrão europeu? Não. Nós temos que chegar à inflação padrão Brasil”, afirmou o presidente em entrevista à RedeTV, em 2 de fevereiro, acrescentando que consideraria “de bom tamanho” uma inflação de 4% ou até 4,5% ao ano. “Padrão Brasil”, curiosamente, foi a mesma expressão usada em 2014 por Dilma Rousseff como contraposição ao “padrão Fifa” de excelência nos estádios da Copa do Mundo – na ocasião, a então presidente se referia a aeroportos que, segundo ela, não precisavam de “padrão Fifa”, bastando um “padrão Brasil” que, na verdade, era de insuficiência e precariedade.

É verdade que, com uma meta de inflação mais baixa, a autoridade monetária pode se ver forçada a lançar mão de uma política mais contracionista, elevando mais os juros, o que por sua vez inibe o crescimento econômico – esta é a raiz do argumento lulista. Mas ele precisa ser rebatido, e o ponto de partida para isso está em duas perguntas: faz sentido perseguir metas mais baixas de inflação? E elas são factíveis em um país como o Brasil? Quanto à primeira pergunta, é evidente que, se a inflação corrói o poder de compra dos cidadãos e ainda funciona como um aumento disfarçado de impostos (o que acabou de ficar escancarado na discussão sobre o reajuste da tabela do Imposto de Renda), inflação baixa é ótima notícia, especialmente para os mais pobres, que não conseguem economizar e investir para se proteger da desvalorização da moeda.

E um patamar de 3% de inflação anual é perfeitamente condizente com o perfil de economias emergentes. O Brasil não precisa necessariamente de uma demanda fraca motivada por crise econômica, como ocorrera em 2017 (quando o IPCA foi de 2,95%), para trazer sua inflação para baixo. Sem grandes choques externos de oferta ou demanda que bagunçassem preços internacionais com reflexos no Brasil, bastaria levar a sério as âncoras fiscais, realizar as reformas macroeconômicas e controlar o gasto público, fortalecendo a moeda e elevando a credibilidade do país junto ao investidor. Mas o “padrão Brasil” é outro: é a gastança desenfreada, é o manicômio tributário, são as reformas descartadas ou feitas pela metade, é o desprezo pela responsabilidade fiscal. Nestas condições, é mesmo muito mais difícil controlar a inflação; os juros altos brasileiros são, em boa medida, consequência da política fiscal expansionista do governo.

Mas, então, o que fazer? Continuar perseguindo metas mais baixas, insistindo na necessidade do ajuste e das reformas, como o Copom vem repetindo em suas atas e comunicados, ou simplesmente elevar a meta porque o país parece incapaz de fazer o básico que tem de ser feito? O bom senso recomenda a primeira opção, mas Lula escolheu a segunda, como um aluno medíocre que não quer estudar para conquistar o 10 e pede que a nota de aprovação baixe para 5 para não ter de se esforçar muito. Sua mensagem de tolerância para com a inflação, no entanto, é desastrosa para o país. A experiência mundial (não apenas brasileira) mostra que é muito mais difícil escapar de uma espiral inflacionária que de uma recessão – aliás, muitas recessões têm origem em inflação fora de controle. Aceitar mais inflação é convidar o dragão para se instalar novamente no meio da sala, e ele nunca recusa a oferta.

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