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Editorial Gazeta do Povo

trump tarifas

Gráficos listam as tarifas impostas pelo presidente Trump no início de abril; desde então, EUA já recuaram e aplicaram pausa de 90 dias com tarifa única de 10%, com exceção da China

Quando Donald Trump baixou um pacote de tarifas sobre produtos importados oriundos de mais de 150 países, o mundo reagiu, reclamando que, como efeito de curto prazo, essa medida reduziria as exportações de vários países para os Estados Unidos em razão do encarecimento do produto importado para o consumidor. Já o efeito de longo prazo que Trump afirma desejar seria a eliminação das vendas para os EUA de vários produtos, que passariam a ser fabricados em território norte-americano por empresas locais que estariam em condições de competir com o produto importado, ou seja: as tarifas levariam à recuperação do parque industrial nacional.

Muitas vozes – inclusive liberais e conservadoras, contrárias ao esquerdismo do Partido Democrata, adversário de Trump – criticaram as medidas do governo norte-americano alegando que elas maculam o princípio do livre comércio defendido pelos teóricos do capitalismo liberal e pelos defensores da liberdade econômica, entre eles os próprios EUA. O governo Trump respondeu justificando que o mundo inteiro, com variações entre os países, sempre taxou as importações de produtos norte-americanos enquanto concedia subsídios para as empresas nacionais produzirem e exportarem para o mundo – sobretudo para o mercado norte-americano.

No Brasil, a reação ao “tarifaço” ganhou contornos ideológicos e de partidarismo político, com certas autoridades e economistas propondo que o governo brasileiro adote a mesma prática norte-americana e comece a proteger a indústria nacional por meio de taxação do produto importado e concessão de subsídios ao produtor nacional. A verdade é que o Brasil sempre foi protecionista, com pequenas variações de um governo para outro. Exemplo disso foi o conflito entre Brasil, União Europeia e Japão em meados de 2015, no qual a UE contestava a proteção dada à indústria nacional pelo governo Dilma Rousseff.

Em julho de 2015, foi divulgado que a UE havia apresentado um documento à Organização Mundial do Comércio (OMC), com mais de 3 mil páginas, acusando o Brasil de ter erguido pesadas barreiras comerciais via tributação indireta sobre produtos importados, em alguns casos acima de 80%. O Japão seguiu na mesma direção, acusando a política industrial brasileira de violar normas da OMC e causar prejuízo à competição. A documentação levantada pela UE continha provas de violações de regras do livre comércio internacional, como leis, portarias e outras medidas para proteger as empresas nacionais. Em resumo, a UE pedia que o Brasil fosse condenado por discriminar produtos estrangeiros, usar subsídios vinculados à exportação e ao conteúdo local, além de programas para beneficiar os setores automotivo, eletrônico e de máquinas de uso profissional ou industrial. Naquela época, como agora, levanta-se a discussão sobre o direito de um país pedir punição a outro país que adote protecionismo por meio de subsídios em seu território. Recorde-se, a esse respeito, que Europa e Japão, os acusadores do Brasil em 2015, também adotam práticas lesivas ao livre comércio quando usam subsídios internos destinados a proteger sua agricultura ineficiente.

Os tratados internacionais reconhecem o direito das nações a conceder incentivos à ciência, à pesquisa e para absorção de tecnologias desenvolvidas no resto do mundo, como também aceitam que os países apliquem política cambial para fixar o preço da moeda estrangeira em patamar realista. Mas as disputas entre os países participantes do comércio internacional se acirram quando alguns países passam a usar instrumentos não tarifários como forma de protecionismo, a exemplo de barreiras sanitárias e, principalmente, a desvalorização sistemática e exagerada da moeda interna, que encarece as importações e favorece as exportações. Essas práticas são consideradas como formas variadas de protecionismo sem o uso de tarifa, impostos ou subsídios diretos.

Entende-se que a taxa de câmbio deve flutuar livremente, de forma que a moeda nacional sofra desvalorização (aumento do preço do dólar) quando o país tem déficits na balança comercial e baixa capacidade competitiva, e seja valorizada (redução do preço do dólar) quando o país vai bem, tem ganhos de produtividade e se torne competitivo com base em eficiência, não por medidas protecionistas. Naquele ano de 2015, em que o Brasil foi objeto de protesto e acionado na OMC sob acusação de praticar protecionismo por meios que não incluíam apenas o estabelecimento de tarifas, a resposta brasileira foi na mesma direção, lembrando que os países insatisfeitos com o Brasil também recorriam a vários artifícios para proteger seus setores não competitivos no mercado internacional.

O Brasil vinha sendo acusado de violar normas de comércio internacional, mas o fato é que economias maiores e mais avançadas que a brasileira não são propriamente praticantes da pureza tarifária, abrindo mão do protecionismo em seu comércio internacional. O “tarifaço” de Trump, momentaneamente atenuado para quase todo o mundo, à exceção da China, é uma admissão de que nem mesmo a maior economia do mundo consegue sobreviver e muito menos recuperar reverter a estagnação de seu parque industrial sem recorrer ao protecionismos quando grande parte do mundo, China à frente, usa os mais variados recursos para proteger a economia interna e favorecer seu comércio internacional.

Essa é uma briga entre culpados, em que inocentes totais inexistem. As distorções no comércio internacional são inegáveis, mas combatê-las apelando ao protecionismo, em vez de levar as demais nações a abrirem suas economias, leva a enormes riscos, como apontou o economista conservador Thomas Sowell em entrevista recente ao Hoover Institution, afirmando que uma guerra tarifária poderia repetir o cenário visto na Grande Depressão com as chamadas “tarifas Smoot-Hawley”. A resposta sempre será a intensificação do livre comércio e da abertura comercial, que a experiência histórica demonstra ter impulsionado o crescimento econômico global – isso vale tanto para os Estados Unidos, que estão fechando sua economia, com consequências imprevisíveis, quanto para o Brasil, que com a volta do PT ao poder revive políticas obsoletas como as regras de conteúdo nacional para a indústria naval.

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