MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Não, estimado leitor, eu ainda não estou doido. Veja o gráfico abaixo, que mostra o preço da gasolina nos últimos 20 anos. O preço de 2021 é o menor desde 2005 (praticamente empatado com 2015 e 2016). Só tem um detalhe: estes preços estão em dólar. Então, explico agora o título “apelativo”: a gasolina não está cara, é nossa moeda que vale cada vez menos.

Na teoria, o mercado de gasolina é livre no país desde os tempos do FHC. Na prática não é tão livre assim, porque existe um mastodonte estatal chamado Petrobrás que costuma recorrer a algumas manobras pouco ortodoxas para se livrar da concorrência. Se fossem feitas por empresas privadas, estas manobras causariam um escândalo, mas como a Petrobrás é “nossa”, nada acontece. De qualquer forma, o pouco que existe de liberdade para importar faz com que os preços daqui acompanhem os preços mundiais (exceto na época da Dilma, quando a Petrobrás teria quebrado se não fosse estatal). E os preços mundiais estão longe do pico. Vejam abaixo o preço médio do petróleo nos últimos 20 anos, novamente em dólar.

Se olharmos apenas o curto prazo, veremos uma subida do ano passado para cá, mas isso é apenas o preço voltando ao normal após o pânico do início da pandemia. O preço ainda está abaixo do que esteve durante boa parte dos últimos 20 anos. Olhar no curto prazo é sempre perigoso, especialmente quando se escolhe pontos arbitrários de comparação. Na verdade, a queda do preço em 2020 compensou (e escondeu) todos os outros fatores, e agora, com a recuperação, os preços subiram em pouco tempo aquilo que teriam subido de forma mais lenta sem a pandemia.

Eu sei que você leitor está pensando: eu não ganho em dólar, então o que adianta mostrar esses dados? É só para mostrar que a causa REAL do problema é sermos obrigados a usar uma moeda que a cada dia vale menos. Mas isso é algo que não vai mudar no curto prazo. Então, há alguma solução imediata para o preço dos combustíveis?

No momento, duas coisas estão acontecendo. A primeira é a criação de um “fundo de estabilização” bancado por um imposto de exportação de petróleo. A história aqui é a seguinte: durante muito tempo, a maior parte do óleo produzido pela Petrobrás era de baixa qualidade. As refinarias foram adaptadas para processar esse óleo. Mas de algum tempo para cá, a maior parte do óleo passou a vir do pré-sal, e é um óleo de ótima qualidade. Como seria um desperdício usar esse óleo nas nossas refinarias, a Petrobrás exporta boa parte e com o dinheiro compra óleo mais barato e mais adequado. No momento em que escrevo,a cotação internacional do óleo do pré-sal está em 89,11 contra 87,12 do Brent (inglês) e 83,31 do WTI (Texas, EUA).

Se o projeto passar do jeito que está hoje, o imposto seria de aproximadamente três dólares por barril exportado. Como ninguém vai pagar mais caro só para ajudar nossos políticos a fazer demagogia, estes dólares sairiam da margem de lucro da Petrobrás. Se seria suficiente para inviabilizar a operação, não se sabe, mas transferiria boa parte do lucro para o caixa do tal fundo. O problema é que, com os atuais 40 milhões de barris por mês exportados (cujo aumento é muito improvável), o tal imposto poderia bancar uma redução de seis centavos nos preços, o que não resolve nada. Guardar o dinheiro também não resolve, porque o problema não são as oscilações de curto prazo. E se a diferença de preços diminuir, a exportação pode ficar inviável, acabar e levar o tal fundo junto.

A segunda coisa acontecendo é uma PEC para permitir ao governo zerar os impostos federais sobre os combustíveis. Essa idéia é bem mais interessante, afinal redução de imposto sempre é bom. A questão é que, com o atual déficit, tirar imposto sem reduzir a despesa apenas muda o problema de lugar, e redução de despesa do governo não é algo fácil de acontecer, especialmente em ano eleitoral.

Há mais duas coisas que poderiam ser feitas no curto prazo para abaixar os preços. A primeira seria uma diminuição no ICMS, mas de verdade, não apenas joguinhos de cena como já foi feito. O problema é que falar em reduzir ICMS para um governador é como xingar a sua excelentíssima mãezinha. É algo que eu acho que só tem chance de acontecer se a situação ficar muito feia.

A segunda coisa, menos provável ainda, é mexer no etanol. Não é de hoje que no Brasil existem grupos cujos privilégios são intocáveis e inquestionáveis, e um desses grupos é o dos usineiros. Cada vez que a coisa apertava, a quantidade de etanol que a Petrobrás é obrigada a comprar aumentava, mas quando a crise passava ninguém lembrava de diminuir de volta. De aumento em aumento, o que começou com 10% já está em 27%. Se há um cliente que é obrigado a comprar não importa o preço, porque os vendedores iriam vender barato? A situação atual é a seguinte: a Petrobrás poderia comprar gasolina no mercado internacional a 3,21 o litro, mas ao invés disso compra etanol a 3,85. Além de ser mais caro, o etanol tem um poder calorífico 30% menor, o que significa que quanto mais etanol a gasolina tem, menos ela rende. Se hoje a mistura fosse reduzida para metade (13% aproximadamente), o preço poderia baixar dez centavos e os automóveis fariam entre 5% e 10% mais quilômetros por litro. Mas, como eu disse, por algum motivo “misterioso”, com os privilégios dos usineiros ninguém mexe. Aliás, é interessante notar que nos EUA e Europa, existem vários tipos de gasolina para o consumidor escolher, alguns sem etanol, alguns com etanol. Por aqui, todos os carros tem que se contentar com uma opção só. Seria mais um caso em que todo o resto do mundo está errado e só nós estamos certos?

7 pensou em “A GASOLINA NÃO ESTÁ CARA

  1. Marcelo,

    “A vida é pesada para os fracos, interessante para os curiosos e uma aventura para os loucos.” Joanderson

    Sim, estimado cronista, VC está completamente louco, pois só os loucos possuem tal lucidez. Pinçando frases geniais de um único texto: 1) “Se há um cliente que é obrigado a comprar não importa o preço, porque os vendedores iriam vender barato? Um adendo sanchiano: quando leio a palavra OBRIGADO A ALGO dá sempre a sensação de país socialista, coisa que o Brasil já é, pois somos obrigados a tanta coisa; 2) O problema é que falar em reduzir ICMS para um governador é como xingar a sua excelentíssima mãezinha; 3) a gasolina não está cara, é nossa moeda que vale cada vez menos;4) a Petrobrás é “nossa” (parêntesis de Sancho: eita frase mais enganadora e mentirosa que sempre nos empurraram goela abaixo; creio que é do Regime Militar); 5) a causa REAL do problema é sermos OBRIGADOS a usar uma moeda que a cada dia vale menos; 6) uma PEC para permitir ao governo zerar os impostos federais sobre os combustíveis. Essa idéia é bem mais interessante, afinal redução de imposto sempre é bom; 7) Seria mais um caso em que todo o resto do mundo está errado e só nós estamos certos? Finda Sancho com frase que li a batante tempo e que era atrbuida a uma tal Juanna Hundentsó: “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”.

    • Grato pelo carinho, Sancho. A última frase que vc citou, eu já vi ser atribuída a Nietsche, não tenho a menor idéia se está certo ou não. Mas gosto dela.

  2. Prezados, para umas certas classes, os combustíveis podem chegar a cinquenta reais que não os atingem, sabemos bem quem são, tem os Zés ruelas da vida para os manterem, e daí? Que se explodam, não estão nem aí.

    • Luís, bem antes dos cinquenta reais teríamos uma nova greve dos caminhoneiros, e pode ter certeza de que estas “certas classes” sabem das consequências.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *