Bolsonaro disse que foi interrogado por Moraes com “espírito sereno de quem sabe que é inocente”
Antes de comentar a postura de Jair Bolsonaro em seu interrogatório, cabe dizer o óbvio: só ele sabe o que é estar em sua pele neste momento. Mesmo alguém perseguido pelo ministro Alexandre de Moraes como eu não consegue ter a dimensão de ser o ex-presidente ali, o alvo prioritário de uma caça implacável, com um homem que já deu todos os sinais de sadismo sedento por sua cabeça.
Bolsonaro optou por uma postura firme, mas descontraída ao mesmo tempo, com direito a brincadeiras. Ele mesmo apresentou uma explicação de por que agiu assim. Diz um trecho: “Não invoquei silêncio. Não busquei subterfúgios. Respondi a cada pergunta com transparência e convicção. Quem tem a verdade como companheira não teme ser questionado – e jamais se curva diante da injustiça”.
Em sua conclusão, ele diz: “A História julgará cada um de nós. Que ela me encontre, como sempre estive, fiel à verdade, ao nosso Deus e ao povo brasileiro. Hoje, saio do tribunal tranquilo e mais confiante de que serei o próximo Presidente da República para ajudar a tirar nosso país dessa bagunça”. É uma esperança e tanto para quem sabe enfrentar um tribunal político.
Havia mais de uma forma de enfrentar Moraes, e não necessariamente apenas uma está certa. O general Augusto Heleno, por exemplo, preferiu se calar perante o “juiz”, respondendo apenas as perguntas de seus advogados. Não é falta de coragem, mas um recado claro de que não reconhece em Alexandre um juiz sério e imparcial.
Bolsonaro optou por outro caminho, convidando, em tom de brincadeira, Moraes para ser seu vice em 2026 (um recado velado de que o ministro é um agente político). Isso dividiu a direita. Alguns acharam o máximo esse tom, que seduz os mais neutros e consegue transmitir a imagem de bom moço perseguido pelo sistema; mas outros acharam que ele perdeu a oportunidade de escancarar ao mundo a natureza autoritária de seus adversários.
Lembro de uma cena de Atlas Shrugged, de Ayn Rand, em que o personagem principal, John Galt, forçado a participar de um espetáculo farsesco ao lado de seus algozes, consegue expor as armas que o obrigavam a estar ali “sorridente”. Foi torturado depois, mas falou para o povo, para a posteridade: eis um regime tirânico sem legitimidade.
A jornalista Karina Michelin fez um ótimo resumo do teatro armado por Moraes e seus cúmplices, em que diz: “O julgamento de Jair Bolsonaro e dos réus do 8 de janeiro tem sido, desde o início, muito mais do que um simples processo judicial: tornou-se uma exibição pública de força, sarcasmo e humilhação, cuidadosamente orquestrada sob o manto da legalidade. O que está em curso não é um debate jurídico sério sobre fatos e provas, mas a consolidação de um modelo de poder autorreferente, que já escolheu culpados e agora apenas interpreta o roteiro previamente escrito para condenar”.
Após descrever os métodos alexandrinos para humilhar quem ousou desafiar o sistema, Michelin conclui: “Por trás da encenação, há uma questão moral ainda mais profunda. Diante da força bruta do sistema, muitos tentam garantir sua sobrevivência através de bajulações, acreditando, ingenuamente, que elogiar o algoz possa lhes render algum tipo de indulgência. É um erro fatal. Quando o processo já está contaminado por motivações políticas, nenhum gesto de submissão altera o desfecho – a sentença de morte política já está escrita”.
E eis o ponto que fica para reflexão: Bolsonaro falou para a história ou para Moraes? Há ainda alguma esperança por parte dele de comover quem já deu indícios de psicopatia? Será que Bolsonaro realmente acredita que pode ser inocentado por expor a fragilidade da denúncia? Talvez por conta da pressão de seu amigo Donald Trump, será que Bolsonaro acha mesmo que será candidato ainda?
Se por um lado os militantes do sistema, como Miriam Leitão da Globo, não gostaram da postura de Bolsonaro, ao transformar o interrogatório numa “live”, o que é bom sinal para o ex-presidente, por outro lado sua piada ensejou comentários como este, do imitador de focas, com vinte mil curtidas: “Muito doida essa DITADURA do Brasil, onde o tal do ‘perseguido’ pode debochar e brincar, convidando o DITADOR para ser seu vice… E recebe como resposta um ‘declino’, brincando e rindo junto. É muita ditadura, chamem os Direitos Humanos!”.
Sabemos que uma figura como Felipe Neto vai distorcer tudo para seu lado, mas eis o ponto: talvez fosse o momento de Jair Bolsonaro, com muita seriedade, expor o regime de exceção em que mergulhou o país, sem rodeios, sem gracinha. Temos gente que morreu como preso político, várias idosas presas ainda, jornalistas censurados. Diante desse quadro, uma piada “sarcástica” pode ter um efeito ruim, de suavizar o que é grave demais.
Não consigo imaginar Corina Machado fazendo uma piada perante um tribunal fantoche do ditador Maduro. Estamos lidando com uma quadrilha comunista, e isso não tem a menor graça…
É Bolsonaro sendo Bolsonaro….talvez um verdadeiro estadista tivesse agido com mais seriedade, mas de onde nada se espera, nada pode sair mesmo. Circo trágico e lamentável esse processo sem fim; enquanto isso, a sociedade brasileira agoniza, inundada que está por violência, crise econômica e um profundo desalento causado por essa mesma classe governante.