JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Estante onde está depositado um vasto aprendizado

A sala, como muitas de antigamente, ficava na parte frontal da casa. Uma casa grande, como eram as casas antigas. Ao lado daquela sala, uma entrada que conduzia à sala de estar que era usada também como sala de jantar. Dependências antigas, simples, mas muito arejadas e confortáveis.

Uma porta que, aberta, conduzia à sala em questão – alguns chamavam também de biblioteca. Mas não era nada disso.

Um pequeno abat-jour, era o único objeto de decoração sobre a mesa, sempre limpa e servindo de apoio a leitura. Ao lado, uma cadeira espreguiçadeira de vime contendo alguns almofadados para apoio e conforto do usuário.

A estante era a peça principal da sala. A peça mais importante. Uma mobília do estilo Luiz XV, transportada no século passado diretamente de Carcassonne, por mais de noventa dias de uma viagem de navio na travessia do Atlântico.

Mas, a estante de importante e significativo valor sentimental, tivera sua importância quadruplicada pelo conteúdo. Pelo que guardava nas prateleiras internas. Vidas, ensinamentos, conselhos e valores morais e religiosos indubitáveis.

Livros e objetos colecionados

Claro, as enciclopédias Lello Universal e Barsa tinham lugar de destaque. Almanaques de revistas em quadrinhos do Mandrake, Fantasma, Tarzã, Cavaleiro Negro, Flecha Ligeira e o impagável Homem de Borracha, carinhosamente encapados. Um pacote com mais de 200 charges do Amigo da Onça, autoria de Péricles, publicadas pela revista O Cruzeiro.

Medalhas conquistadas, troféus, algumas lembranças familiares e, claro um lugar de destaque para um “retrato” da Vovó. Vovó, parte de mim, minha raiz firme e segura que ainda hoje cresce para o centro da Terra.

Livros da Editora Nova Aguilar: poesia completa de Fernando Pessoa, de Manuel Bandeira, Eça de Queiroz.

A vida e bibliografia esmiuçada – e lida – de Machado de Assis: Quincas Borba, O Alienista, Dom Casmurro, O Enfermeiro.

Eça de Queiroz: O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro, A Ilustre casa de Ramires.

Entre os preferidos, lidos, relidos, trilidos: Os elefantes não esquecem, Dando milho aos pombos, O caso dos dez negrinhos, Os relógios, Mistério no Caribe, todos da impagável Agatha Christie.

Ali, naquela estante, tinha vida, experiência, aprendizado e a luz necessária para iluminar meu caminho durante décadas, e me ajudar fortemente na construção da minha família.

Parte do muito que conquistei e aprendi

Por anos seguidos Deus me permitiu praticar parte do que aprendi nos livros. Criei em mim o hábito da leitura e o vício de ler. Aprendi no curso de Jornalismo. A gente precisa ler tudo que nos cai às mãos. Usar, na prática, é alternativa e arbítrio de cada um.

Ler é viajar sem fazer check-in, viajando sempre no luxo e usufruto do leito – ônibus, navio, trem ou avião.

Ler é viver – e ninguém jamais conseguirá escrever, sem ler.

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