Meu avô era um estrategista político e aproveitava até um arranhão de bala no braço esquerdo para render votos.
Mas o tiro foi apontado para o coração. Teve sorte.
Depois de uma revolução armada, recolhidos os destroços e avaliados os danos, historiadores saem à procura dos pequenos acontecimentos que fizeram parte da vitória, da derrota e das tragédias que ficaram anônimas no teatro dos acontecimentos.
Quem chega ao começo da Avenida Dantas Barreto, no Recife, e se depara com o busto do Marechal Emygdio Dantas Barreto, mal pode imaginar as histórias que fazem parte da vida do menino nascido no povoado de Papacaça, (nome que nos tempo remotos teria se chamado Capa-caça), atual município de Bom Conselho.
Mas, antes de me referir ao menino que se alistou no “Batalhão 34 Descalço”, ainda com 15 anos, como um dos chamados Voluntários da Pátria, a fim de defender o Brasil durante a Guerra do Paraguai, passo à uma pequena parte da história, a qual envolve meu avô paterno.
João Pacífico Ferreira dos Santos, fez parte da Campanha Dantista que derrubou a oligarquia de Rosa e Silva (Francisco de Assis da Rosa e Silva) e hoje a família tem a honra de ver sua memória perpetuada com nome de uma das artérias do bairro do Paissandu: a Rua Pacífico dos Santos.
Num dos seus discursos mais inflamados, proferidos da varanda do Diário de Pernambuco – quando advogado e jornalista – estimulando o povo a derrubar o governo que já se perpetuava há quase 20 anos, sofreu um atentado à bala, ao pronunciar a frase final de sua oração:
O homem que vende seu voto é capaz de negociar a honra da própria esposa e queridas filhas.
Naquele momento de muitas palmas e vibração ocorre a tragédia. Ouve-se o estampido. A bala da espingarda raspou-lhe o braço esquerdo e logo se iniciou infernal tumulto.
Meu avô, que com Joaquim Nabuco e tantos outros estudantes de Direito havia participado ativamente da derrubada da escravatura em Pernambuco, proferindo discursos no Teatro Santa Izabel e assinando artigos nos jornais, tombara ensanguentado. Mais de susto do que de sangue, segundo os opositores.
O que sei, sobre pequenos acontecimentos dessa Campanha, foram episódios pitorescos presenciados por meu pai. Companheiros levaram o doente, já medicado, até sua casa, na Rua do Serigado, em São José, onde através de D. Conceição – minha avó – recebeu cuidados e carinhos da família, além de uma dezena de escrachos pela participação em política, coisa que ela não apreciava.
No dia seguinte apareceu o médico, Dr. Aborígenes Melo, contratado pelo General Dantas Barreto, para ver o “estrago” no cidadão e recomendou apenas trocar o curativo e evitar esforços físicos. Logo cedo, após os jornais noticiarem, começou a fila para as visitas ao “mártir”.
No tempo em que o Recife era uma cidade bucólica, u’a manchete de jornal anunciando a “desgraceira”, seria o suficiente para a residência do vitimado permanecer cheia de vizinhos, parentes, amigos e correligionários:
ATENTADO NA CAMPANHA
JORNALISTA PACÍFICO DOS SANTOS ALVEJADO
DURANTE COMÍCIO PRÓ-DANTAS BARRETO.
João Pacífico recebeu de seus contratantes a autorização para licenciar-se por uma semana.
Decorridos três dias do nefasto acontecimento e vendo que meu avô já estaria em condições de retornar às atividades profissionais, D. Conceição exclamou carinhosamente:
– Pacífico, o “dodói” já sarou, meu filho. Pode voltar ao trabalho!
E eis que o veterano estrategista político retrucou:
– Minha filha, esse tiro e seus efeitos, ainda podem valer muitos votos! Enquanto eu estiver convalescendo em casa e recebendo visitas, irei captar simpatias e eleitores indecisos!
No final da contenda, Dantas Barreto ganhou as eleições com os votos da “poeira”, o povo simples das ruas e do Interior, que já não suportavam mais a oligarquia de Rosa e Silva. Mas, para isso, foi preciso se empreender encarniçada luta eleitoral, que alguns chamaram de: Epopéia Dantista.