O século XXI inventou uma nova Inquisição — só que agora os inquisidores não usam batina nem carregam tochas; carregam hashtags. O politicamente correto se tornou a nova gramática moral: não se trata de respeitar, mas de domesticar. As palavras, antes pontes, viraram minas terrestres: pisa em falso, explode.
A ironia? O politicamente correto nasceu como antídoto contra preconceitos. Mas, em pouco tempo, foi sequestrado pelos sacerdotes do ressentimento. Agora, em vez de libertar, aprisiona. Não se pode rir, não se pode pensar em voz alta, não se pode experimentar ideias. Tudo precisa ser testado num laboratório de assepsia social — onde as frases são passadas em álcool gel antes de chegar ao público.
Resultado: o humor morreu, a espontaneidade foi demitida e a conversa transformou-se num manual de conduta. Ninguém fala: emite comunicados. Ninguém pensa: consulta cartilhas. O medo não é de errar — é de ser filmado errando. Assim nasce a “ditadura soft”: sem tanques nas ruas, mas com censores em cada timeline.
E a vida, como sempre, vinga-se: quanto mais tentam impor pureza, mais cresce a hipocrisia. O politicamente correto não gera bondade; gera máscaras. E, por baixo delas, continuam os mesmos vícios de sempre, só que agora envernizados.
Há ditaduras que se impõem com fuzis, tanques e censores oficiais. Outras, mais sutis, não precisam de exércitos — basta um exército de ofendidos com celular na mão. Essa é a ditadura do politicamente correto: não tem quartel-general, mas controla corações e mentes pela chantagem moral.
O curioso é que nasceu com intenções legítimas. Evitar ofensas, respeitar minorias, refrear preconceitos — quem poderia ser contra? Mas o bom propósito foi sequestrado por patrulhas ideológicas que não diferem muito dos antigos censores. Trocaram a mordaça pelo “cancelamento”, a fogueira pelo “exposed” e o tribunal pela timeline.
Hoje, quem ousa arriscar uma piada, um comentário, uma frase fora do script, pode ter sua vida virada do avesso. O que era erro vira crime, e o que era divergência vira blasfêmia. O humor, essa arte nobre de revelar verdades escondidas, foi condenado à clandestinidade. A espontaneidade virou suspeita. O diálogo, uma coreografia ensaiada de termos autorizados.
O politicamente correto não cria cidadãos melhores; cria cidadãos com medo. É uma ditadura sem quartel, mas com muita delação: todo mundo vigiando todo mundo, como se a virtude dependesse da censura. No fundo, é só mais uma forma de controle — e como toda forma de controle, gera hipocrisia. Por fora, discursos floridos; por dentro, preconceitos intactos.
A verdadeira liberdade não é falar sem pensar, mas pensar sem medo. Se não podemos rir de nós mesmos, se não podemos ironizar o poder, se não podemos nem tropeçar na palavra errada sem correr risco de linchamento moral, então estamos de volta à Idade Média — só que com Wi-Fi.
Pois é, caro Maurino…
O politicamente correto se tornou o moderno tribunal do santo ofício; talvez a pior deformação já ocorrida com uma boa ideia. Mas como dizia Bertolucci (o cineasta), ”o fascismo começou caçando tarados”. O mesmo vale para os extremistas do Taliban, é bom lembrar.
Entre as várias deformações morais, transformou todos em potenciais caguetas, um dos piores tipos que existe. Recentemente enviaram um comentário que fiz em uma rede social para o MP, PF, PT (!) e Min da Justiça, tudo porque afirmei que no Brasil estavam dadas as condições para ocorrer o mesmo que no Nepal, com a queima do palácio real brasileiro com os ocupantes dentro. Dá pra acreditar?!
Uma outra consequência, que me entristeceu muito, foi o abalo de minha amizade com uma pessoa querida, uma amiga, só porque durante uma conversa pelo Zap sobre literatura, afirmei que o melhor livro que já li foi Lolita, de Nabokov. Parou de falar comigo, como se apreciar o livro me tornasse defensor de pedófilo. Não adiantou explicar.
De resto, parabéns pela coluna e graças a Deus ainda termos mestre Berto e nossa querida Besta, espaço ainda não atingido pela chaga do politicamente correto
Pablo, obrigado por suas palavras. Pois é… some-se a isso o fato que o mundo está tão chato, tão cretino, que se você disser que não gosta de algo, vai ser no mínimo, execrado, ou se falar que gosta de alguma outra coisa que o valha, farão como fez sua amiga.
É… estamos vivenciando tempos estranhos.
Aqui é de fato, o país da inversão de valores.
Mas, isso, é assunto para a próxima semana.
Saudações.
Aguardarei pela coluna sobre inversão de valores. Felizmente por aqui temos liberdade de expressão.
Inté.
Incorrigível chato que sou, ouso discordar que o politicamente correto nasceu com boas intenções.ou que estas sejam legítimas.
Quem conhece ferramentas da roça, conhece a cunha. A cunha é aquele objeto usado para fixar, ajustar ou apertar a peça de metal no cabo ou suporte que, geralmente, é de madeira.
A “cunha social” (mudar o significado original das palavras com adjetivos é uma modalidade de cunha) é aquele elemento que, inicialmente tem a mesma função da cunha objeto: fixar um ponto de vista, uma ideia, um comportamento etc que, depois de fixado terá, também, outra serventia similar à cunha objeto ou ferramenta: rachar, separar, dividir..
Voltando ao ponto do politicamente correto, tenho que sua criação não passa, pois, de uma cunha.
Assim é que comportamentos normais, comuns, corriqueiros da vida passaram a ser considerados deselegantes, ofensivos e alguns hoje são até crimes.
A cunha social do politicamente correto foi fixada e hoje dita comportamentos em forma de lei
Portanto, toda intervenção retórica que o “cunho” de alterar comportamentos considerados normais são, em verdade, cunhas sociais que a sociedade, cega ao verdadeiro objetivo (rachar, dividir, separar), vai permitindo serem introduzidas e depois acabam normalizadas e normalizadas.
Dito isso, quando permitimos que a cunha entre, ficamos acanhados, acunhados fato esse que atinge a todos, inclusive a cunhado, tenho por importante resistir, não deixar a cunha entrar nem ter amor acunhado (dividido).
Maurino, parabéns e obrigado pelo texto.
Gente, preciso registrar algumas correções. As demais, vocês fazem.
*Portanto, toda intervenção retórica que TENHA o “cunho”… normalizadas e NORMATIZADAS.