MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

São poucas as palavras que, sozinhas, são capazes de provocar uma reação tão forte como a palavra “China”. Parece que todo mundo guarda no bolso uma lista de “verdades prontas” a respeito do país, e não se mostra muito propenso a aceitar opiniões divergentes.

Em geral, as idéias prontas a respeito da China se dividem em três grupos, um favorável e dois desfavoráveis. Estes grupos podem ser sintetizados nas seguintes frases:

“A China é um sucesso econômico e social que prova que o comunismo/socialismo funciona”

“A China é uma ditadura cruel que se tornou rica às custas de trabalho escravo”

“A China é uma farsa que vai desmoronar a qualquer momento”

As três afirmações estão erradas. Existe um conceito científico, infelizmente pouco difundido entre o público em geral, de que a explicação mais simples geralmente é a mais correta. A China não é um reino de conto de fadas ou um planeta distante de ficção científica. As pessoas de lá são parecidas com as de cá, com as mesmas características, qualidades e defeitos. No final, é só mais um país, que como todos os países faz suas escolhas e vive com as consequências dessas escolhas, boas ou ruins.

A China é uma ditadura?

Sim, é um país com regime de partido único, com restrições à liberdade de expressão. Não existem partidos de oposição. Mas desde a mudança de regime que seguiu à morte de Mao, não tem sido uma ditadura que se destaque por atos de repressão violenta.

A China é um país comunista?

Depende do que se entende por “comunista”. A política dos tempos do Mao morreu junto com ele. A China hoje tem milhões de empresas privadas, existe liberdade de comércio, o número de funcionários do governo só diminui, a participação do estado na economia também é cada vez menor, o direito de propriedade é garantido, e o número de bilionários é o segundo maior do mundo. Em resumo, a China hoje não segue nada daquilo que Marx, Lênin e Stalin defendiam. Mas, possivelmente por razões sentimentais, o partido que está no poder conserva o nome “Partido Comunista”.

Na verdade, olhando para alguns critérios geralmente usados nas discussões esquerda x direita, pode-se dizer que a China está “à direita” do Brasil: a facilidade para empreender é muito maior, a carga tributária é menor, não existe imposto sobre herança, é muito mais fácil importar. Na área social, o governo chinês é muito mais ativo: Cinema, TV e redes sociais são controlados e não podem fazer referências a sexo, drogas ou qualquer coisa que possa agredir os chamados “bons costumes”.

A China tem trabalho escravo?

Não. A China possui muitos empregos industriais, coisa a que o Brasil está desacostumado, e por isso esses empregos parecem penosos. Mas é preciso lembrar que o padrão de comparação do chinês médio é diferente: depois de décadas de um regime onde a maioria literalmente passava fome e trabalhava de sol a sol na agricultura, um emprego na indústria que dá moradia, comida, assistência médica e salário para trabalhar ao abrigo do sol e da chuva é um grande avanço.

Vale lembrar que o salário médio da China superou o do Brasil há varios anos; em 2023, correspondia a 1300 dólares mensais. O salário mínimo também é bem maior, sendo equivalente hoje a dois mil e cem reais.

E o “sistema de controle social”?

Embora muito citado, até hoje ninguém provou que exista.

A China é rica?

Depende do que se considera “riqueza”. Em PIB per capita a China está à frente do Brasil, empatada com o México e bem atrás de Japão e Coréia do Sul, por exemplo. Mas tem uma economia com espaço para crescer, inflação baixa, moeda sólida. Mais importante, a China hoje é um fornecedor que faz parte da cadeia produtiva de praticamente todos os países, o que torna quase impossível uma crise financeira.

A China vai quebrar?

Embora alguns economistas (e muitos palpiteiros) estejam prevendo a derrocada da China há pelo menos duas décadas, não há indicadores econômicos que apontem para isso. Como já disse acima, a China exporta para praticamente o mundo inteiro, e essa exportação não pode ser substituída com facilidade, porque a China é um fornecedor industrial altamente produtivo.

Provavelmente a China não voltará a ter as taxas de crescimento da época da virada do século, e isso é bastante normal, e até esperado.

A China vai dominar o mundo?

Aparentemente sim. Por um lado, têm mantido um bom desempenho econômico, cometendo muito poucos erros. Por outro, seus concorrentes têm se esforçado para meter os pés pelas mãos. A China tem seguido o conselho de Napoleão Bonaparte, “nunca interrompa seu inimigo enquanto ele está cometendo um erro”, e é hoje a maior ganhadora da guerra da Ucrânia: está comprando gás e petróleo baratos da Rússia graças às sanções, e vendo os EUA e a Europa gastarem bilhões em material bélico que vai acabar sendo destruído.

Para situar a posição do Brasil nesta briga, uma comparação simples: a China forma um milhão e meio de engenheiros por ano; o Brasil, cinquenta mil, sendo metade em EAD (ensino à distância). Uma das causas foi mostrada no último PISA, em 2022: 70% dos estudantes brasileiros de 15 anos têm dificuldades com problemas matemáticos simples.

Aos mais jovens, fica o conselho: Aprendam chinês.

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