CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo

Ya-Rá-Guá (enseada do ancoradouro) é o nome indígena originário do bairro de Jaraguá, o Marco Zero, onde começou a cidade de Maceió. Quando o mundo entrou na era da industrialização, navios de toda parte fundeavam no ancoradouro natural na enseada de Jaraguá. Naquela época o bairro teve um enorme desenvolvimento urbano e econômico devido ao efervescente comércio. Jaraguá vivia na euforia de muitos negócios, exportação de açúcar, algodão, e importação de materiais industrializados para o consumo da população. O ancoradouro natural tinha uma ponte de desembarque e Jaraguá tornou-se um dos portos mais movimentados do Brasil.

Em torno da Praça Dois Leões, onde se encontra a Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, moravam estivadores, embarcadiços, pescadores, homens que tinham o mar como sustento.

Os vizinhos se conheciam, havia casamento entre eles, era como fosse uma família. Augusta era uma menina sapeca, corria pelos sítios perto do Riacho Salgadinho, corria na praia, subia nas amendoeiras da Avenida da Paz, a todos encantava. Ao completar dezesseis anos era a moça mais bonita das redondezas, chamava atenção sua beleza e sensualidade. Todos queriam namorar Guta, mas, ela só se agradava de Gumercindo, jovem espadaúdo, tomou corpo de homem aos dezenove anos, corpo forjado carregando sacos de açúcar na ponte de desembarque; depois se tornou embarcadiço. Os pais de Augusta permitiram o namoro. Era do gosto das famílias.

Certa tarde de domingo, uma pequena patrulha da Força Policial, comandada pelo Cabo Sobral, fazia ronda na Praça Dois Leões, quando o cabo avistou a moça de roupa domingueira; encantou-se, ficou deslumbrado com Augusta. Todo domingo o cabo passou a admirar a jovem em direção à missa na Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Certo dia ele se apresentou e falou com o pai da moça. Não se conformou em saber que a bela Augusta estava comprometida com um embarcadiço. Não admitiu a negativa. Ele cabo da Força Policial, autoridade, de tradicional família.

No dia 10 de janeiro havia a festa de Bom Jesus dos Navegantes. As embarcações singravam na enseada da praia da Avenida da Paz em Jaraguá. Os barcos enfeitados competiam na ornamentação, muitos fogos, muita alegria. À noite a festa se prolongava na Praça Dois Leões. Colocavam tendas para leilões, bingos, tablados onde se dançava com a música de um conjunto. Improvisavam bares servindo cachaça e tira-gosto para animar a moçada.

Nas casas eram organizadas festas particulares frequentadas pelos vizinhos e convidados Os amigos lotaram a casa de Augusto, pai da aniversariante, Augusta, a moça mais bonita da cidade, celebrava seus dezessete anos.

O Cabo Sobral, ao longe, assistia a animação na casa de Augusto, para onde não foi convidado. Deu-lhe um despeito quando olhou pela janela Gumercindo dançando coco de roda com a amada Augusta na maior felicidade. O Cabo, bêbado, tentou entrar na casa de Augusto, foi barrado na porta por Simplício, irmão do dono da casa. O cabo quis alterar, apareceram alguns estivadores, ele recuou. Depois de certo tempo, o Cabo Sobral, policial arruaceiro, retornou com mais três policiais. Foram rechaçados e iniciaram uma briga, murros e pontapés, deu-se uma briga generalizada. Uma facada deixou um policial morto estirado na rua.

Cabo Sobral e seus homens bateram retirada ao quartel. Reuniu os soldados que se encontravam no momento. Fez um discurso emocionante, incitando vingar o companheiro assassinado pelos estivadores. Armou mais de 20 soldados, montaram a cavalos, dispararam em direção à Praça Dois Leões. Entraram galopando na praça, atirando em quem estivesse pela frente. Ao moradores pularam muro da casa, fugiram da sanha dos policiais.

Na casa de Augusto correram pelo estreito portão do fundo do quintal. Dois músicos guardavam seus instrumentos, foram feridos pelas balas dos policiais. Na praça, os ambulantes, que nada tinham a ver com a história, correram para o interior da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Os soldados do Cabo Sobral entraram na igreja, a cavalo, atirando indiscriminadamente.

No dia seguinte o governador soube da chacina, estava escandalizado, entretanto, permitiu que os cadáveres, mais de 20, fossem ajuntados em uma carroça de bonde, e enterrados numa vala comum no cemitério de Jaraguá.

O massacre foi abafado pela imprensa. Nenhuma notícia foi publicada em jornais, não houve um registro sobre a ocorrência. Até a Igreja foi conivente abafando o caso e determinou a interdição do templo católico. A Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo da freguesia de Jaraguá ficou fechada por mais de quinze anos. Mas o povo, os moradores do bairro de Jaraguá não esqueceram. Ainda hoje, por tradição oral, os netos e bisnetos de Gumercindo e Augusta contam a história do insano massacre da Igreja Nossa Senhora Mão do Povo no bairro histórico de Jaraguá. Acontecido há muitos anos.

Um comentário em “A CHACINA NA IGREJA NOSSA SENHORA MÃE DO POVO

  1. Parabéns pelo resgate memorial com seu excelente registro histórico! Pessoas como o Senhor dignificam a Comunidade do JBF. A memória do nosso País agradece!!!

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