Antiga “bolandeira” tocada pelo animal
Uma vida inteira na infância dedicada aos estudos, e ao viver na roça. Foi assim para a maioria das crianças saudáveis das décadas de 50/60 no interior do Ceará, ainda que a seca intermitente castigasse as famílias que viviam exclusivamente da agricultura familiar.
Parte de dezembro e todo o mês de janeiro, era o período dedicado às férias escolares. Em julho, mês completo, tudo levava a crer que o período se tornava maior – era a convivência mais demorada e interessante com a lavoura, e mais precisamente com a farinhada.
Tema exaustivamente discorrido, a farinhada é um período que coroa a produção da mandioca com o fabrico da farinha de vários tipos – componente alimentar indispensável na mesa das regiões Norte e Nordeste – com as reuniões das famílias dos pequenos agricultores meeiros e do regozijo dos proprietários das terras.
É uma festa. Tão importante quanto a colheita da uva, da maçã e do café.
A “bolandeira” que movimentava o caititu na ceva da mandioca
Por vários dias só se pensa em farinha. Em tapiocas, beijus, mingaus, acúmulo da produção em paióis para o consumo ao longo do ano. Como comunidades de formigas carregando e acumulando o alimento para consumir no inverno, o “matuto” produz e guarda, quando a agricultura é familiar.
É uma riqueza gratificada com a alegria estampada em cada rosto.
Por dias, semanas e meses, num galpão sem paredes laterais se transformava num verdadeiro conclave onde os destinos do povoado – plantação, colheita, distribuição e possível venda do que sobrava do abastecimento necessário – eram discutidos entre os meeiros-proprietários. Ninguém pensava em “poder”. Apenas em garantir o “comer”. Mais tarde as informações chegaram ao povoado, garantindo que aquilo era uma “cooperativa”.
Terminada a farinhada, vem a recompensa. Os trabalhadores que não plantaram roça de mandioca recebiam a sua paga.
Essa paga, feita em dinheiro em espécie, é sempre acompanhada pela gorjeta de “tantos litros de farinha” – via de regra, dá para comer mais de um mês, levando-se em conta que, farinha se come todo dia e de todo jeito.
Da mandioca e do boi, dizem, ninguém perde nada. Do boi (ou da vaca, se assim desejarem) não se perde nem a bosta. E há quem afirme que, dele, até o urro é aproveitado.
Fazer farinha parece coisa fácil. Não é. O agricultor tem que conhecer a qualidade da “maniva” (galho da mandioca que vai ser replantado para renascer) e o tempo do plantio, além de saber preparar a terra. Precisa conhecer o tempo da colheita.
São três tipos de farinha de mandioca. Parte da região Nordeste usa a mandioca para fazer a “farinha seca” ou a “farinha branca”.
Da mandioca extrai-se a goma (amido), largamente utilizado em beijus, sopas e mingaus. Por tempos, a goma teve largo uso para garantir o bom visual de roupas passadas no ferro. Daí, provavelmente, veio o termo muito utilizado na região: “engomar” a roupa.
Trabalhadores na “farinhada”
No Pará, Maranhão e Tocantins, a farinha preferida é a “farinha d´água”, cujo preparo da mandioca é mais demorado – mergulha-se a mandioca na água por vários dias, até que ela possa produzir a “massa puba” que, passando por outro tratamento, vai produzir a farinha. Dessa mandioca, retira-se, também, o líquido para fazer uma cachaça especial (tiquira) e a matéria prima para molhos de pimenta e o tucupi (ingrediente muito usado no preparo do “pato no tucupi” – alimento da culinária típica do Pará).
No Pará produz-se também a “mandioquinha”, muito usada na culinária regional.
A “cruêra”, nada mais é que a casca da mandioca, separada e colocada à secagem para alimentar animais domésticos.