“Mundico” procurando a “baixa da égua” na lua
Nascido na década dos anos 50, em Assaré, sertão brabo e quente do Ceará, (Em 1823, os independentes do Ceará Grande, organizando a expedição que foi conhecida por Marcha de Caxias, a fim de sufocar os rebeldes do Piauí, transformaram o povoado em campo de concentração, ficando aí aquartelados, o que concorreu para melhorar as condições do povoado. Em 1831 ia ser elevado a distrito de paz, quando a revolução de Joaquim Pinto Madeira irrompeu no Cariri, vindo estas terras a ser teatro de lutas entre liberais e corcundas. A sede da freguesia, entretanto, ficou em Santana do Brejo Grande – Santana do Cariri – (1838), local impróprio. Assaré passou a sede de freguesia em 1850, com a transferência de Santana do Brejo Grande (Santana do Cariri), com a nova denominação de Freguesia de Nossa Senhora das Dores da Ribeira dos Bastiões. A transformação do distrito em vila, com desmembramento do município de Saboeiro, deu-se conforme Lei nº 1.152 de 19 de julho de 1865, tendo sido instalado a 11 de janeiro de 1869 já com a denominação de Assaré. Sua elevação à categoria de município ocorreu segundo Decreto-Lei nº 448 de 20 de dezembro de 1938.) Raimundo Paiva Nascimento, foi um predestinado divino. Ninguém naquela cidade o conhecia pelo nome recebido na pia batismal ou no cartório de ofícios – era “Mundico”.
Apesar do destino, ainda teve a sorte (ou não) de ter como “adversário midiático”, ninguém menos que Antônio Gonçalves da Silva, mundialmente conhecido como “Patativa de Assaré” – e, era para Patativa que toda pauta de notícias era dirigida. Ninguém jamais ouvira falar em “Mundico”, que em Assaré era um Zé-Ninguém.
Predestinado, como dito acima, Mundico, antes mesmo de completar a maioridade, por hábito familiar resolveu comunicar aos pais a decisão que acabara de tomar: sair de casa a procura de algo ou de realização como pessoa.
– Pai e mãe, vou sair de casa, talvez cumprindo o meu destino – vaticinou.
– Pra onde tu vai, menino? Perguntou o pai!
– Vou procurar a “baixa da égua”!
No dia seguinte, tão logo a escuridão da noite deu lugar à claridade do dia, Mundico estava tomando café, comendo beiju, cuscuz, batata doce cozida, macaxeira – tudo como se estivesse se despedindo de alguma coisa. E estava. Estava se despedindo dos chocalhos das cabras, do cantar do galo, da caminhada para o açude, da baladeira com a qual matava rolinhas, do Pai e da Mãe.
Arrumou um mantolão com farinha seca, rapadura, macaxeira cozida, uma porção de castanha de caju assada, um fraco com mel de abelha e uma cabaça com água. Arrumou tudo na garupa da bicicleta Monark, pediu a bênção ao pai e a mãe e sumiu entre as veredas que o levariam para a vida, antes encontrando a baixa da égua.
Na estrada grande asfaltada, depois de pedalar horas, encontrou um caminhoneiro trocando dois pneus da carreta. Ofereceu ajuda, e, em troca, recebeu a oferta de uma carona até a cidade mais próxima – distante dali por mais de 100 Km.
Descobriu que estava no Piauí, pertinho de Petrolina. Desceu, agradeceu a carona, recebendo do caminhoneiro dinheiro para a passagem de ônibus até Recife. Vendeu a Monark para completar as despesas da viagem. Na capital pernambucana procurou, em vão, a tal “baixa da égua”.
Quatro dias depois de chegar a Recife, Mundico mostrou disposição e ganhou um emprego na Infraero – transportava as bagagens dos passageiros para a esteira de despacho. Fez amizades rápido. Se interessou para aprender inglês, ainda que com a diferença de sotaque.
Fez amizade com uma aeromoça da American Airlines, que lhe ofereceu morada nos EUA. Aceitou, acreditando que estava começando a encontrar o caminho para a “baixa da égua”. Em poucos meses conseguiu o visto de permanente – foi quando entendeu que a sua Assaré ficava mais distante do que a própria “baixa da égua”.
Mundico estudou muito. Estudou mais. Fluente em inglês, resolveu – por curiosidade – se inscrever para tripulante de uma nave que seria mandada ao espaço lunar em breve. Treinamentos diários. Informações mil e de todas as espécies que pudessem atender as diversidades do planeta desconhecido.
Finalmente, o dia da partida. Todos os tripulantes se despediam dos familiares, menos Mundico, pois os parentes ficaram em Assaré.
Nave acionada. A partida e a viagem por horas, dias até o pouso no solo lunar. Os tripulantes esperaram orientação da NASA para os primeiros contatos com o desconhecido.
A NASA autorizou. Um tripulante de cada vez. Área lunar inóspita e cheia de crateras. Chegou a vez de Mundico. Intempestivamente e sem saber por que, voltou seus pensamentos para Assaré, lembrou de um poema de Patativa:
“Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.
Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.”
Mundico tomou todos os cuidados e apeou da nave. Estava pisando, talvez, num solo que podia abrigar a tão desconhecida e procurada “baixa da égua”. Caminhou, antes se assegurando que estava pisando firme.
Caminhou mais. Afastou-se da nave e continuou caminhando. Tropeçou numa pequena cratera e caiu. No baque acionou sem querer um botão que comandava o isolamento e o retorno da nave para a Terra. A NASA não entendeu nada. A nave partiu de volta, sem que os demais tripulantes pudessem fazer algo.
Sem se dar conta que a nave retornara, Mundico começou a vaguear. Quanto mais caminhava, mais queria caminhar. Encontrou algo que parecia conhecer. Leu a placa escrita: “Bodega do Seu Zé – fiado só amanhã”!
Pensou em matar a saudade da terrinha, tragando uma dose de Sapupara. Não tinha, e Seu Zé estava esperando receber o pedido que fizera no ano passado. Só tinha Sanhaçu, mas tinha o tira-gosto de sardinha enlatada com cebola roxa e farinha seca posta sobre um pedaço de papel de embrulho em cima do balcão. Tomou a segunda talagada e arriscou a pergunta: “aonde é que fica a baixa da égua, seu menino”?
– É mais na frente…. respondeu Seu Zé da bodega.
Antes de sair, Mundico pediu para Seu Zé anotar na caderneta de fiados.
Mundico seguiu em frente. De novo, outra placa, com os dizeres: “Chatô da Clô” – só raparigas virgens”. Era um bom lugar que aceitava cartão de crédito e débito, vale semanal, pix e pagamento parcelado em boletos.
A andança continuou. Finalmente, sem muita iluminação, Mundico avistou outra placa que dizia: “Baixa da égua” – entre, acomode-se e se quiser dormir, durma. Mas, não esqueça nunca que, ao cantar do galo, com os toques dos chocalhos das cabras e dos bodes, você tem que levantar e rebolar o penico de barro que está cheio de mijo, lavar para saber que está na sua casa.