CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

– Minha mãe, estou com um problemão.

– Diga filha, mãe é para essa coisas.

– Estou namorando o Pedro há cinco meses, ontem ele veio com conversa de casar no fim do ano. Eu me sinto tão nova, 18 anos, iniciando a Faculdade de Direito, cheia de sonhos, quero ser uma boa advogada, melhorar de vida e casamento vai atrapalhar meus planos, meus sonhos.

– Bernadete, sei que é uma decisão difícil. O problema do amor é muito complexo, pior ainda a convivência a dois. Em compensação, amar, gostar de alguém, se dar, se entenderem; uma vadiação na cama com a pessoa amada é muito bom. Pense direitinho, eu mesmo não quero interferir na decisão mais importante de sua vida. Tem que ser sua. É você quem vai decidir. Pense e faça o que o coração mandar.

– Minha mãe, obrigado, eu que tenho que resolver. Amo o Pedro como nunca amei ninguém, mas, pensando bem, só tive dois namorados além dele. O problema é que ele se diz apaixonado, pensa em mim o tempo todo, até quando está consertando carros velhos em sua oficina. Já deu até a ideia de vir morarmos juntos em sua casa, para senhora não ficar tão sozinha.

– Bernadete eu me casei cedo demais, na sua idade, quando eu tinha 20 anos, era uma menina você nasceu. Logo depois veio a tragédia, a explosão na fábrica química, um erro humano, quatro morreram, entre eles seu pai. Fiquei viúva com uma filha pequena. Com a pensão ridícula e uma indenização de fazer vergonha. Consegui levar a vida como ambulante na praia, dei um duro danado, mas o trabalho dignifica qualquer um. Hoje meu acarajé é conhecido em toda orla, os turistas adoram e ainda tenho três empregados. Nunca quis que você trabalhasse, só para dar prioridade aos estudos e você entendeu que para vencer na vida é preciso o jovem estudar. Você tem esse problema, embora o casamento apenas atrapalha a dedicação ao estudo. Quem tem de resolver é você já que o namorado não quer esperar. Apenas digo que nossa modesta casa aqui no bairro da Ponta da Terra está à sua disposição.

O casamento aconteceu no dia 8 de dezembro na Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, com uma festa entre parentes e amigos. Pedro tomou um porre, como de costume, e passou uma curta lua de mel num modesto hotel na praia de Coruripe. A vida da família mudou muito, o quarto de Bernadete ficou para o casal. Ela todos os dias tomava um ônibus para cidade Universitária, às vezes almoçava por lá. Pedro com sua moto logo pela manhã estava trabalhando nos consertos de automóveis. Como tinha boa locomoção, almoçava em casa todos os dias, esquentando a comida preparada pela sogra na noite anterior. E Dona Laurinha levava em uma Van alugada a pasta de feijão do acarajé e os apetrechos. Trabalhava das 10 às 17 horas na praia de Cruz das Almas.

Assim foram vivendo logo nasceu Pedrinho. Criança bonita tinha os traços do pai: andar arqueado, rosto redondo, sobrancelhas cheias se juntando acima do nariz adunco. A família adorava os dias de domingo quando frequentava a praia de Cruz das Almas, Pedrinho corria na areia e Pedro enchia a cara aproveitando a cerveja e a cachaça que a sogra levava para vender aos fregueses do acarajé. Dona Laurinha gostava de uma cerveja e de sair nas sextas e sábados com as amigas, às vezes com algum amigo. Contudo, dizia, casamento jamais.

Antes de Pedrinho completar dois anos, apareceu a novidade inesperada. Dona Laurinha grávida. O pai da criança era casado morava em Santa Catarina. Já que foi viúva tantos anos, não abortaria, e o menino nasceu no tempo certo. Jorginho foi mais uma alegria para casa. Tiveram que rachar uma babá para tomar conta das crianças. Laurinha reclamava a falta de creches nesse Brasil.

Passaram-se quase três anos. Certo domingo, enquanto Pedro e Laurinha enchiam a cara de cerveja e cachaça. Bernadete brincava à beira-mar com as crianças. Foi quando de um susto, notou a semelhança no andar de Pedrinho e Jorginho. Chamou os dois fez uma comparação no rosto. As mesmas sobrancelhas grossa emendadas em cima do nariz adunco. O instinto de mulher foi um choque no coração de Bernadete quando suspeitou que seu marido poderia ser o pai de Jorginho, filho de sua mãe. Sua alma emudeceu, olhava para as crianças achando-as cada vez mais parecidos com o marido. Até que teve certeza. Não deu uma palavra durante a viagem de volta na Van alugada

À noite Bernadete explodiu. Laurinha e Pedro, ainda de pileque confessaram tudo, inclusive que continuavam transando. Laurinha ainda fez uma proposta:

– Vamos viver assim minha filha, segredo nosso, o povo que vá a puta que pariu. Quis dar um beijo na filha, ela se afastou, trancou-se no quarto fechou a porta.

Era meia-noite quando Bernadete arrumou as malas, saiu do quarto com Pedrinho dormindo no colo, tomou um táxi e foi bater na casa de uma grande amiga solteira. Contou a história, a amiga deu guarita. Desde aquela noite Bernadete nunca mais falou com a mãe, nem com o marido. Encontraram-se duas vezes, no Tribunal.

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