Editorial Gazeta do Povo
Tropas de Israel patrulham a fronteira com Gaza, em 6 de outubro
Na sexta-feira, o grupo terrorista palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza, anunciou a intenção de aceitar, ao menos em parte, o plano formulado pelo presidente norte-americano Donald Trump para colocar um fim ao conflito com Israel. A alternativa, diga-se de passagem, não era lá muito alvissareira: recusar e sofrer uma ofensiva ainda mais avassaladora por parte dos israelenses, desta vez com apoio total dos Estados Unidos. Por convicção, pragmatismo ou qualquer outro motivo, os novos líderes do Hamas preferiram não correr o risco de acabar como seus antecessores, e as negociações começaram nesta segunda-feira, ainda de forma indireta (ou seja, as delegações do Hamas e de Israel não estão conversando frente a frente), na cidade egípcia de Sharm el Sheikh.
Se há motivos para esperança – e os grupos que representam familiares dos reféns levados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 têm sido enfáticos quanto a isso –, ainda há motivos para ceticismo, pois o Hamas nem de longe acenou com uma aceitação completa dos termos propostos por Trump. O item 6 do plano, que prevê a desmilitarização do Hamas, não foi totalmente aceito pelos terroristas, que teriam concordado apenas em entregar armamento pesado, mas retendo o que consideraria necessário para sua defesa. O argumento é espúrio. Ainda que detenha de facto o poder em Gaza, o Hamas não é um ente estatal – a entidade reconhecida como tal é a Autoridade Palestina –, e as alegações de “armas para defesa” são ridículas, considerando a própria natureza do Hamas, cuja razão de existir é a aniquilação de Israel por meio do terrorismo.
Além disso, embora tenham concordado em entregar o poder em Gaza a um governo tecnocrático formado por palestinos, os terroristas deram a entender que não aceitam a participação de líderes internacionais como Trump e o ex-premiê britânico Tony Blair. O Hamas também não deseja ficar de fora de qualquer processo decisório a respeito do futuro da Palestina, contrariando vários líderes internacionais – incluindo alguns que se tornaram bastante críticos às ações de Israel em Gaza, como o francês Emmanuel Macron – que rejeitam qualquer possibilidade de o Hamas ter alguma influência na administração futura de Gaza e da Cisjordânia.
Mas, enquanto as delegações no Egito tentam aparar as arestas sobre estes e outros pontos, há uma questão muito mais urgente, e da qual depende todo o futuro do plano de paz: a devolução dos reféns. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, insiste que não fará absolutamente nada enquanto o Hamas não entregar os sobreviventes e os corpos dos que morreram nas mãos dos terroristas; o item 3 do plano divulgado por Trump, no entanto, previa um recuo nas forças israelenses para uma linha pré-determinada ainda antes da entrega dos reféns, como forma de preparação. Um impasse a respeito da “ordem dos fatores” pode colocar tudo a perder logo de início.
Nenhum dos lados está particularmente entusiasmado com a negociação. O Hamas, evidentemente, só aceitou sentar-se à mesa porque Trump ameaçou os terroristas com a “erradicação total” caso não cedessem. Netanyahu, por sua vez, não recebeu muito bem a aceitação parcial do acordo por parte do Hamas e, segundo informações de bastidores, Trump teve de telefonar para o israelense, criticando-o por sua “negatividade” – alguns desses relatos afirmam que o norte-americano chegou a usar um palavrão – e dizendo que a resposta do Hamas era uma vitória para Israel. Mas o sucesso de uma negociação de paz não depende da empolgação dos envolvidos, e sim de sua intenção real de chegar à melhor solução possível, inclusive fazendo concessões.
O plano sobre o qual se debruçarão agora Israel, o Hamas e as nações que estão servindo de intermediários não busca apenas um cessar-fogo que devolva um certo grau de “normalidade” (se é de fato possível aplicar essa palavra ao que vivem israelenses e palestinos) até que algo reinicie as hostilidades. Se levado até o fim, ele será a maior possibilidade de se chegar à desejada solução de dois Estados desde ao menos 2008, a última vez em que os palestinos receberam (e recusaram) uma oferta de território para a constituição de um país soberano. A janela de oportunidade existe; é pequena, diante de tantas dificuldades que já surgiram e ainda podem surgir, mas está aberta.