Editorial Gazeta do Povo
Hugo Motta, Lula e Davi Alcolumbre em encontro no Palácio do Planalto, em fevereiro de 2025
Dilma Rousseff já havia dito, em 2013: “nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”. No ano seguinte, enquanto promovia fake news contra a adversária Marina Silva, a então presidente mantinha o preço da gasolina artificialmente mais baixo para não elevar ainda mais a inflação, enquanto um Banco Central ainda sem independência segurava a Selic para não prejudicar o PIB – com a reeleição assegurada, os juros subiriam três pontos porcentuais em menos de um ano. Agora, Lula está pronto para “fazer o diabo” em busca da própria reeleição, com a ajuda do Congresso Nacional.
O “kit reeleição” tem inúmeras medidas – algumas delas já em prática, outras em tramitação no Legislativo, e outras ainda sendo estudadas – que buscam reverter a avaliação negativa de Lula, cuja desaprovação supera a aprovação em várias pesquisas, e tem como alvo tanto a população mais pobre quanto a classe média. Em resumo, trata-se de vender o governo (e, especialmente, Lula e o PT) como o “provedor geral da nação”, aquele que dá de tudo, enquanto empurra para baixo do tapete – pelo menos até outubro do ano que vem – as questões incômodas, como quem paga pelo que o governo entrega “de graça”, e as consequências de tanta prodigalidade.
O Bolsa Família, por exemplo, foi turbinado a ponto de seu custo total ter quintuplicado entre 2019 e 2024 e de o benefício ter se transformado em uma alternativa ao trabalho, desestimulando a busca por emprego formal, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Além dos R$ 170 bilhões anuais do Bolsa Família, o governo está gastando R$ 12,5 bilhões com o Pé-de-Meia, que incentiva a permanência na escola; o “Gás do Povo”, que subsidia botijões de gás, deve custar mais R$ 5 bilhões em 2026; e uma medida provisória recentemente aprovada pelo Congresso vai ampliar a parcela de consumidores que terá sua conta de energia zerada.
Para a classe média, a grande carta na manga do governo é o projeto que isenta de Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil mensais – mas não prevê uma correção geral que elimine o problema crônico da defasagem da tabela do IR desde o início do Plano Real. Além disso, a estratégia de incentivar o consumo para manter a economia artificialmente aquecida levou a um afrouxamento nas regras do empréstimo consignado para trabalhadores do setor privado, contratados pela CLT, e à ampliação do Minha Casa, Minha Vida para contemplar famílias com renda de até R$ 12 mil mensais.
Para bancar tudo isso, governo e Congresso têm agido em duas frentes: elevação de impostos e truques orçamentários. O brasileiro já sente há tempos o efeito da fúria arrecadatória de Lula e Fernando Haddad, da “taxa das blusinhas” à elevação no IOF – e o governo quer mais, já que pretende compensar a perda de R$ 30 bilhões com a isenção do IR para a faixa de até R$ 5 mil por meio da tributação dos super-ricos e de um imposto sobre lucros e dividendos. Como nem isso, no entanto, é suficiente para fechar as contas, como se percebe pelos sucessivos déficits mesmo com recordes de arrecadação, é preciso recorrer à contabilidade criativa: várias despesas têm sido retiradas da conta oficial do resultado primário, permitindo que o governo cumpra no papel a meta do arcabouço fiscal – ainda que esteja gastando muito mais.
Enquanto a elevação da carga tributária retira ainda mais recursos da economia real, o descontrole nos gastos e a desmoralização da âncora fiscal levam ao aumento da dívida pública e da inflação, que é especialmente cruel com os mais pobres, que veem seu poder de compra corroído sem ter os meios de proteger seu dinheiro. Isso significa que as políticas do governo acabarão prejudicando principalmente o mesmo grupo que o governo diz querer ajudar. Mas, como ao menos parte desta conta deve ser cobrada não no curto, mas no médio prazo, Lula e o PT têm todo o incentivo para arrebentar as contas públicas em busca de mais quatro anos no Planalto.