Luciano Trigo
A condenação de Bolsonaro não pacifica nem fortalece a democracia; aprofunda divisões, gera desconfiança e fragiliza ainda mais o país
Líquidas e certas, a condenação e a prisão de Jair Bolsonaro não resolverão nenhum problema do nosso país. Ao contrário, aprofundarão ainda mais o abismo no qual o Brasil vem despencando, dia após dia. Longe de encerrar um ciclo, abrirão feridas ainda mais difíceis de cicatrizar.
Nesse jogo de cartas marcadas, até os vencedores saboreiam um triunfo vazio. O sonho de um consenso nacional contra Bolsonaro revelou-se uma ilusão. O que resta é um país incapaz de se reconciliar consigo mesmo, prisioneiro de um ciclo infinito de frustração e ressentimento.
O bolsonarismo não desaparecerá com a prisão de seu líder — ao contrário, tende a se fortalecer. A História já mostrou inúmeras vezes que a perseguição judicial costuma produzir mártires, e mártires podem deter mais poder simbólico que políticos em liberdade.
Ao abraçarem uma agenda de ódio e perseguição ao ex-presidente, o STF e a grande mídia criaram um monstro maior que as alegadas ameaças à democracia que afirmam combater: um Brasil dominado pela melancolia e pela exaustão.
Já vivemos há tempos em uma democracia disfuncional, mas agora corremos o risco de mergulhar de vez em um período de naturalização de medidas autoritárias. A eleição de 2026 será disputada sob o signo da desconfiança, não da esperança.
Não se trata mais de uma divisão entre direita e esquerda, mas do sentimento difuso de que o país perdeu sua bússola. A censura às vozes dissidentes, a perseguição a jornalistas e a intimidação de cidadãos comuns criaram um ambiente sufocante. O medo de falar, de postar, de compartilhar opiniões divergentes tornou-se parte da vida cotidiana.
Tentaram vender o julgamento de Bolsonaro como o momento decisivo em que o Brasil construiria um consenso e se uniria contra a ameaça autoritária. Sua condenação conciliaria o país em torno das instituições, da democracia e do Estado de Direito.
Nada disso está acontecendo, porque não há grandeza em vencer um adversário quando o juiz distorce as regras do jogo no meio da partida e diante da torcida. O triunfo tem gosto amargo, porque, no fundo, todos sabem que a democracia não se fortalece com censura, perseguição e tribunais políticos. Ao contrário, ela se enfraquece.
Não é segredo que o STF assumiu um papel de protagonismo político. A Corte já não se contenta em interpretar a Constituição e arbitrar disputas jurídicas: ela interfere, legisla, suprime liberdades e pune seletivamente. Por sua vez, a grande mídia abre mão de seu papel fiscalizador para se tornar repetidora das decisões do Supremo, tratando seus ministros como oráculos e paladinos.
Por tudo isso, o julgamento de Bolsonaro não gera festa, mas amargura. Entre seus apoiadores, a sensação é de impotência e indignação. Entre seus adversários, não há euforia: apenas o prazer sombrio de ver um inimigo cair, misturado ao incômodo de reconhecer que o caminho percorrido até a vitória foi tortuoso, feito de expedientes que lembram as piores ditaduras. Isso revela a pobreza do debate público e a incapacidade do país de superar sua crise política sem recorrer a medidas excepcionais.
Essa grande mídia promoveu incansavelmente a ideia de um consenso nacional contra Bolsonaro. Manchetes, editoriais e comentaristas repetiram durante anos a mesma ladainha sobre defesa da democracia e do Estado de Direito, na expectativa de construir um inimigo comum a ser linchado e de promover uma catarse coletiva.
Mas essa expectativa se frustrou de forma espetacular. O que se viu não foi catarse, nem alívio. A cobertura homogênea da mídia contrastou com a realidade das ruas e das redes sociais. A promessa de consenso revelou-se uma miragem.
Decorridos anos de espetáculo midiático, o que se percebe é justamente o contrário: longe de ser um marco de unidade nacional, o julgamento está servindo para expor de forma crua a descrença e a tristeza coletivas que marcam hoje o país.
O prazer amargo também vem da percepção de que, ao perseguir Bolsonaro, o STF não persegue apenas um homem, mas uma enorme parcela da sociedade que nele se reconhece. Essa exclusão simbólica de dezenas de milhões de brasileiros reforça a divisão da sociedade e inviabiliza qualquer projeto de reconciliação nacional.
Cresce também o receio de que a mesma lógica usada contra Bolsonaro possa ser usada amanhã contra qualquer um. Demorou, mas os militantes da esquerda estão começando a entender que o poder sem limites não gera segurança, mas medo.
O Judiciário reduziu-se a instrumento de guerra política. A Corte se apresenta como guardiã da Constituição, mas cada vez mais atua como partido político togado, em um pêndulo infinito de vingança e revanchismo.
A seletividade das punições, que poupa aliados do poder enquanto esmaga opositores, mina a credibilidade da Justiça. A consequência é grave: se parte significativa da população não reconhece legitimidade na condenação de um ex-presidente, a própria ideia de Estado de Direito se fragiliza.
Mesmo entre militantes progressistas já há quem perceba que a democracia se empobrece quando depende, para sobreviver, de juízes onipotentes e jornalistas moralmente invertebrados.
Após as eleições de 2022, esperava-se que o bolsonarismo evaporasse, mas pesquisas indicam que, mesmo inelegível até 2030, Bolsonaro mantém aprovação em torno de 40% nas redes, superando Lula em engajamento.
O plano deu errado por um motivo bastante simples: mesmo que seja preso, o ex-presidente continuará representando valores arraigados em metade da população. O bolsonarismo é um movimento que vai muito além de Bolsonaro.
O julgamento deveria ser um ponto final, mas será apenas o início de um novo ciclo de instabilidade. A direita transformará seu líder em mártir; a esquerda seguirá dependente de tribunais para conter seus adversários; e a sociedade como um todo continuará presa a um clima de desconfiança e medo.
A condenação de Bolsonaro não pacifica o país, não restaura a confiança nas instituições e não fortalece a democracia. Ao contrário, mostra que vivemos em um regime no qual juízes fazem política, jornalistas atuam como militantes e cidadãos comuns são constrangidos ao silêncio. Mais do que um processo contra um homem, este julgamento é o retrato de um país distópico, dividido e amordaçado.
Acorda, Brasil, antes que a sua tristeza se torne irreversível.