Editorial Gazeta do Povo

Donald Trump e Lula se reuniram no domingo, durante reunião de cúpula de países do Sudeste Asiático na Malásia
Quase quatro meses depois da carta em que Donald Trump comunicava a Lula a imposição de uma tarifa de 50% sobre boa parte dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, quase três meses depois de o “tarifaço” ter começado a vigorar, e um mês depois do brevíssimo encontro entre ambos durante a Assembleia Geral da ONU, os dois presidentes finalmente se sentaram para conversar frente a frente. A reunião ocorreu neste domingo, na Malásia, durante a cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático – Brasil, Estados Unidos e outros países também foram convidados na qualidade de “nações parceiras”. De concreto, no momento, apenas a promessa de que as conversas continuarão.
“Nós conseguimos fazer uma reunião, que parecia que seria impossível no Brasil e nos Estados Unidos, aqui na Malásia”, disse Lula após o encontro. Mas o diálogo entre os dois líderes só foi impossível anteriormente porque o petista quis assim. Trump não recusou conversa com nenhum dos países que o procuraram logo depois do anúncio das tarifas, e fechou acordos com vários deles. O norte-americano repetiu que também estava aberto a conversar com o Brasil. Quem não quis negociar foi Lula, que preferiu provocar e criticar Trump, enquanto o setor produtivo brasileiro – ao qual o presidente nunca foi mesmo simpático, com as exceções dos “amigos do rei” – penava para encontrar novos clientes e amargava as consequências da birra do petista.
A loucura tinha método: com a popularidade em baixa, Lula viu no “tarifaço” a chance de conseguir uma sobrevida explorando o tema da “soberania” – que, na boca de Lula, soa bastante hipócrita, já que, quando se trata de parceiros ideológicos, o petista sabe ser bastante entreguista, como o demonstram o avanço chinês sobre as terras raras brasileiras e o episódio das unidades da Petrobras tomadas por Evo Morales quase 20 anos atrás. E a estratégia funcionou, como atestam as pesquisas de popularidade, no que deveria servir de lição à oposição brasileira, para que não volte a subestimar a sagacidade do presidente (e de seu entorno, incluído aí o ministro “da Propaganda”, Sidônio Palmeira), que agora vende como vitória um encontro que ele mesmo adiou até não poder mais.
E, por enquanto, só o que o petismo tem a mostrar é mesmo a foto dos dois presidentes. Nenhuma tarifa foi reduzida de imediato; Lula disse que deve haver um acordo “em poucos dias”, a bordo do avião presidencial Air Force One, Trump limitou-se a dizer “vamos ver”. Na véspera do encontro, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, afirmara que as condições impostas inicialmente para a revogação das tarifas, como o fim da perseguição ideológica promovida pelo Supremo Tribunal Federal, não tinham sido alteradas. Além disso, a política comercial de Trump tem sido marcada pela imprevisibilidade total, com algumas decisões que parecem ser tomadas mais com o fígado, a exemplo de uma nova sobretaxa imposta ao Canadá após uma campanha publicitária que usava um discurso de Ronald Reagan criticando barreiras comerciais. Tanta imprevisibilidade, no entanto, pode tomar uma outra direção. Ninguém pode excluir de antemão a possibilidade de uma redução nas tarifas, mesmo sem recuos da parte do STF e de Alexandre de Moraes, se Trump considerar que isso é conveniente – por exemplo, se a redução no fluxo de produtos brasileiros tiver efeitos inflacionários ou afetar cadeias de produção nos EUA.
Independentemente das razões, consideramos que qualquer reversão nas tarifas seria positiva para o Brasil. Isso não significa, evidentemente, que estejamos fazendo pouco dos abusos do Supremo em relação à liberdade de expressão ou ao processo contra Jair Bolsonaro e outros acusados de um suposto golpe de Estado. Compreendemos os motivos de quem considera que as tarifas são uma estratégia acertada para que se restaure a democracia no Brasil, e não descartamos de antemão o uso de sanções contra a economia de toda uma nação. No entanto, elas nos parecem mais adequadas quando o Poder Executivo é diretamente responsável pelas políticas condenáveis (como no caso do apartheid sul-africano ou do programa nuclear iraniano), ou quando o setor produtivo está umbilicalmente ligado ao governo, como no caso de regimes socialistas ou oligarquias autoritárias como a russa. Esse está muito longe de ser o caso brasileiro; aqui, faz muito mais sentido aplicar sanções diretamente aos liberticidas que punir toda a economia.
Antes de ir à Malásia, Lula esteve na Indonésia, onde voltou a fazer uma defesa do uso de moedas locais no comércio exterior, contornando o dólar – um tema bastante caro aos Estados Unidos, e que pode colocar as negociações a perder se houver o petista insistir nele em futuras declarações ou acordos comerciais com outros países. Isso mostra que não é apenas a imprevisibilidade de Trump que pode atrapalhar o caminho do entendimento entre Brasil e Estados Unidos. Sorrisos e apertos de mão funcionam para o petismo tentar reciclar a narrativa do presidente operário (e, agora, do “ex-preso que deu a volta por cima”) que encanta o homem mais poderoso do mundo, mas o trabalho de verdade começa agora – e com muito atraso, por culpa do próprio Lula.