Editorial Gazeta do Povo
Desde quarta-feira, 6 de agosto, as novas tarifas que produtos brasileiros terão de pagar para entrar nos Estados Unidos já estão em vigor: à exceção de cerca de 700 itens que pagarão 10%, todos os demais serão taxados em 50%, em uma decisão que Donald Trump atribuiu ao que classifica de perseguição política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Mesmo com as exceções, pouco mais da metade das exportações brasileiras atuais para os EUA está sujeita ao tarifaço, e o setor produtivo tenta calcular o tamanho do estrago em termos de perda de empregos e prejuízo com exportações que não mais ocorrerão. Um estrago que poderia ser menor, se não tivéssemos um ególatra no Palácio do Planalto.
Não faltou tempo para que o Brasil se mexesse: as novas tarifas foram anunciadas por Trump há quase um mês e, mesmo assim, o governo praticamente deixou o tempo correr e a bomba explodir no colo dos exportadores. As últimas quatro semanas foram gastas com bravatas lulistas, comparações de botequim e pouquíssima negociação real: só houve um encontro de alto nível, entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado Marco Rubio, que não rendeu nada a não ser a afirmação de que o governo brasileiro aceita discutir questões comerciais. A discussão propriamente dita, no entanto, não aconteceu e, se depender de Lula, não acontecerá tão cedo.
Os norte-americanos deixaram portas abertas: o encarregado de negócios da embaixada norte-americana no Brasil manifestou interesse em um acordo que contemplasse a exploração de terras raras em solo brasileiro, mas Lula respondeu que “se esse mineral já é crítico, eu vou pegar ele pra mim. Por que eu vou deixar pra outro pegar?”, escondendo que o Brasil não tem capacidade de processar esses minérios e que os chineses os estão “pegando” em quantidades cada vez maiores. Depois, foi a vez de o próprio Trump dizer que Lula poderia telefonar para ele quando quisesse para falar de tarifas. Mas, nesta quarta-feira, o petista disse que não iria “se humilhar” porque “a minha intuição diz que ele não quer conversar” – apesar de Trump ter afirmado explicitamente o contrário.
Pode-se dizer muita coisa da política de comércio exterior de Trump: que é errática, que padece de lógica, que se baseia em premissas falsas (por exemplo, a afirmação de que os Estados Unidos são deficitários nas trocas comerciais com o Brasil); mas buscar um canal de negociação de altíssimo nível, com dois chefes de Estado conversando diretamente, nada tem de “humilhação”. Nenhum dos países ou blocos econômicos que tenham tomado a iniciativa de procurar Trump para conversar saiu de mãos completamente vazias. Já o Brasil, até agora, teve mais sorte que juízo, pois as quase 700 exceções abertas por Trump não foram resultado de nenhum tipo de negociação bilateral, mas da necessidade norte-americana de não interromper suas cadeias produtivas.
Para a tragédia do setor produtivo, a retórica do confronto é perfeita para Lula. O discurso sobre “soberania” conquista incautos, por mais que o presidente seja um grande entreguista quando se trata de camaradas ideológicos. E o bode expiatório já está pronto para quando a política fiscal irresponsável de Lula cobrar seu preço – indicadores como mercado de trabalho e PIB seguem positivos, é verdade, mas este é o resultado natural, no curto prazo, de políticas de estímulo ao consumo; vários desses indicadores também estavam bons antes da recessão de 2015-16. Daqui em diante, as tarifas serão usadas como desculpa para tudo que sair errado na economia, assim como a esquerda, há 60 anos, culpa o embargo econômico norte-americano pela miséria cubana, quando os verdadeiros responsáveis são os socialistas que implantaram políticas econômicas desastrosas na ilha.
No último domingo, durante um encontro nacional do PT, Lula afirmou: “eu não posso falar tudo que eu acho que eu devo falar, eu tenho que falar o que é possível falar”. Pois, se “não podendo falar tudo”, ele já diz uma série de sandices que custam caro ao setor produtivo brasileiro ao acirrar a disputa com os Estados Unidos, só podemos imaginar a catástrofe que haveria caso o petista de fato dissesse tudo o que deseja. Catástrofe esta, aliás, que ainda não está totalmente descartada, caso o Brasil insista em seguir fazendo negócios com a Rússia, alimentando a máquina de guerra que agride a Ucrânia e arriscando um tarifaço ainda maior.