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Editorial Gazeta do Povo

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Dentre todos os candidatos de direita e centro-direita à presidência do Chile, José Antonio Kast foi o mais votado e tem condições de vencer o segundo turno contra a comunista Jeannette Jara

O primeiro turno da eleição presidencial chilena consolidou o processo de polarização iniciado em 2021, com o eleitorado trocando as legendas e políticos de centro-direita e centro-esquerda por candidatos mais afastados do centro no espectro político-ideológico. O segundo turno terá um confronto entre a comunista Jeannette Jara, que recebeu pouco menos de 27% dos votos válidos, e o conservador José Antonio Kast, com quase 24% – uma diferença menor que a indicada pelas pesquisas divulgadas às vésperas do pleito.

Jara é a candidata do atual presidente, Gabriel Boric, que enfrentou e venceu Kast no segundo turno de 2021 – a lei chilena proíbe a reeleição para mandatos consecutivos. No entanto, é possível dizer que ela só terminou em primeiro lugar porque a esquerda se uniu, enquanto a direita se fragmentou. A ex-ministra do Trabalho foi a candidata escolhida por uma grande coalizão de esquerda, que preferiu indicar um candidato único para melhorar suas chances. Kast, por outro lado, teve de disputar a preferência dos eleitores de direita e centro-direita com o economista e engenheiro Franco Parisi (que ficou em terceiro, com quase 20% dos votos válidos), o libertário Johannes Kaiser (quase 14%) e a ex-prefeita conservadora Evelyn Matthei, que chegou a liderar as pesquisas, mas teve 12,5% dos votos válidos e terminou em quinto. Kaiser e Matthei já declararam apoio a Kast; se a transferência de votos se concretizar, as chances de Boric entregar a faixa presidencial a Kast são muito maiores, mantendo uma tradição chilena de quase duas décadas: a última vez que um presidente passou o cargo a um sucessor do mesmo grupo político foi em 2006, quando Michelle Bachellet sucedeu Ricardo Lagos.

As forças tradicionais da política chilena, que se revezaram no poder antes da eleição de Gabriel Boric, tiveram de se contentar com o papel de coadjuvantes, ou com resultados magros. O Partido Socialista, que governou o país por duas vezes com Michelle Bachelet, já não tinha indicado candidato em 2021, apoiando Yasna Provoste, que terminou em quinto lugar naquele ano, com 11,6% dos votos; desta vez, também preferiu abrir mão da cabeça de chapa e apoiar Jara. A coalizão de centro-direita Chile Grande y Unido, herdeira do grupo político que também já governou o Chile por duas vezes com Sebastián Piñera, não se deu muito melhor com Matthei. Além disso, tanto o PS quanto o Chile Grande y Unido elegeram menos deputados que em 2021; os socialistas mantiveram o número de senadores, e a coalizão de direita e centro-direita também viu sua bancada no Senado diminuir.

Se os protagonistas e os coadjuvantes são os mesmos, as circunstâncias do Chile de 2025 são bem diferentes daquelas de 2021. Boric foi eleito em meio a uma convulsão social, ao descontentamento com a desigualdade e à promessa de uma nova Constituição – que até agora não foi aprovada, com dois textos sendo rejeitados em plebiscitos em 2022 e 2023. Quatro anos depois, é a segurança pública que dominou a campanha eleitoral: a taxa de homicídios saiu de 4,6 por mil habitantes em 2021 para 6 neste ano (em 2022 chegou a 6,7), números ainda pequenos para a média latino-americana, mas altos para os padrões chilenos. Além disso, a população está assustada com a presença do crime organizado transnacional, especialmente do venezuelano Tren de Aragua, que contribui também para o aumento de outros crimes, como sequestros e extorsão. Kast adotou um discurso linha-dura contra o crime e a imigração ilegal; Jara prioriza o combate ao crime organizado pelo rastreamento do dinheiro usado pelos bandidos.

A candidata comunista já sacou a manjada carta da “ameaça à democracia” para criticar Kast. Ainda na noite de domingo, comentando o resultado da votação e as perspectivas para o segundo turno, Jara afirmou que “a democracia deve ser protegida e valorizada. Sofremos muito para recuperá-la para que hoje seja colocada em risco”, repetindo a ladainha cada vez mais comum no continente americano que faz da esquerda a única força política a “defender a democracia” enquanto todos os demais são potenciais autocratas. Mas é difícil acreditar que esse discurso será capaz de convencer um eleitorado que demonstrou uma preferência tão avassaladora pela direita e pela centro-direita – ainda que fragmentada entre vários candidatos.

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