A ação deflagrada pela polícia do Rio de Janeiro, esta semana, resultou em mais de 120 mortos, incluindo 4 policiais, e 89 prisões. Od foco da ação era atacar o quartel general do comando vermelho e, ao que parece, não foi um rio que passou naquelas vidas, foi um tsunami. No fim das contas, o chefe da facção – Doca ou Urso, como é conhecido – conseguiu escapar ao cerco, mas, segundo a polícia, sua captura está bem encaminhada.
O comando vermelho tem características de hierarquia e obediência exemplar. Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, preso há mais de 20 anos, continua ditando as ordens da prisão Marcinho VP – que não é o mesmo que tema do livro Abusado: o dono do morro da Santa Marta, de Caco Barcelos – também tem seus seguidores fora da cadeia e apesar de toda, propalada, segurança, as ordens continuam saindo da prisão para o morro.
Diante de um quadro onde a população morre de medo, da conivência maldita de autoridades sem escrúpulos que recebem propinas para “fechar” o olho sobre diversas atividades ilegais, a gente chega a conclusão de que não há, sequer, uma linha de proposta coesa, séria, exequível, que seja capaz de contornar a violência que impera em determinadas cidades brasileiras.
Os tempos são outros: morava no interior do estado e a gente costumava trancar a porta apenas com um ferrolho. As grades das casas eram sinais de embelezamento. Hoje, a gente usa grade, câmera de segurança, porteiro eletrônico e, ainda assim, somos vítimas. Em meio a isso tudo, o posicionamento do governo é um fator decisivo. Nesse sentido, cabe relembrar algumas coisas.
O cerco feito pelos Estados Unidos na costa da Venezuela já detonou algumas embarcações e, recentemente, o diretor dos Direitos Humanos da ONU criticou abertamente a ação de Trump. Não faz muito tempo, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, disse que chamar os barqueiros que transportam drogas de “traficantes” é “linguisticamente incorreto” porque eles são “trabalhadores do tráfico”. Numa linguagem mais popular, tais pessoas são as chamadas “mulas” porque conduzem, apenas isso, a droga que é comercializada pelos chefões do tráfico. O interessante é que se uma pessoa for pega transportando drogas, nos aeroportos, isso é considerado crime, ou seja, é considerado tráfico internacional de drogas e dá 30 anos de cadeia.
Não faz muito tempo, o então governador da Bahia, Rui Costa – hoje ministro – falou da quantidade de jovens que eram empregados no tráfico de drogas. O contexto das suas palavras era no sentido de que ali estava se gerando emprego e só faltou dizer que iria lutar pelo reconhecimento da profissão que, a meu ver, é a única coisa que está faltando. Como se não bastasse, o chefe dele, soltou uma memorável: “o traficante é vítima do usuário!”.
Isso tudo mostra que estamos totalmente despreparados para tratar do problema. Vemos muitos “especialista” se posicionando e criticando essa operação, vemos repórteres se referindo ao fato como o maior dos absurdos, vejo autoridades vociferando, soltando espuma “pelas ventas” contra uma ação tão danosa. Vi Benedita da Silva alardeando que nos seus nove meses de governo prendeu Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco, aquele que mandou queimar o repórter Tim Lopes, vivo. Para que não se lembra disso, Tim Lopes foi preso dentro de pneus e eles tocaram foco nos pneus e ficaram assistindo sua dolorosa morte.
Essa semana, vi Anthony Garotinho desmentindo, publicamente, Benedita da Silva. Disse ele que Fernandinho Beira-Mar foi preso no seu governo e o feito de Benedita foi trazê-lo para Bangu 1. Não tem como esquecer a rebelião que ele provocou e que há relatos de que ele fez embaixadinha com a cabeça do rival Ernaldo Pinto Medeiros, conhecido como Ué.
A forma natural de imposição do comando vermelho, do PCC ou de qualquer outra facção criminosa, é se impor provocando pavor. Quanto maior o nível de crueldade, maior o respeito adquirido e tanto por seguidores quanto pela população. O comando vermelho está fincando nos morros da Penha e do Alemão e a população “protege” esse pessoal, não é pelas benesses compradas com dinheiro do tráfico. Fazem isso por puro medo. Atribui-se a Doca, por exemplo, a responsabilidade por 100 homicídios, incluindo crianças, além do desaparecimento de moradores e daqueles médicos que foram para o congresso de medicina no Rio de Janeiro e foram mortos, por engano, num quiosque. Um dos médicos era irmão da deputada Sâmia Bonfim.
É preciso entender mais os determinantes da criminologia. Essa semana, por coincidência, pesquisando sobre trabalhos e dados relacionados com criminologia, entre no site do Death Penality Information Center e, de acordo com os dados, a taxa de homicídios nos estados americanos com pena de morte é 5,5 por cem mil habitantes, enquanto em estados onde não pena de morte é 3,6 homicídios por cem mil habitantes. Isso significa que ainda não aprendemos a lidar com o problema.
Finalmente, acredito fortemente que o domínio das facções criminosas sobre a população se faz, como eu disse, pela imposição do medo. Embora alguns critiquem, inclusive amigos doutores da área da sociologia, uma pesquisa mostrou que 62% da população do Rio de Janeiro apoia a ação do governo e, no Brasil, 57%. Como eu disse, isso significa que ainda não aprendemos a lidar com o problema.
Caro Assuero com mais um texto primoroso. Infelizmente, hoje os delinquentes brasileiros tem apoio de tudo quanto é lado, o cidadão que trabalha, paga impostos até pra respirar, vive abandonado, a mercê de sua própria sorte