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Editorial Gazeta do Povo

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Javier Milei comemora a vitória de seu partido nas eleições legislativas argentinas de 26 de outubro

Após ser derrotado pelo peronismo kirchnerista na eleição provincial de Buenos Aires, em setembro, o libertário Javier Milei tinha uma disputa de vida ou morte nas eleições parlamentares do último domingo, dia 26, que renovariam metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado da Argentina: se a esquerda repetisse o desempenho do mês anterior, Milei teria uma segunda metade de mandato digna de “pato manco”. Mas o resultado final surpreendeu positivamente: o partido governista, A Liberdade Avança (LLA), terminou com quase 41% dos votos contra 33,6% da Força Pátria, a principal coalizão peronista.

Os libertários subiram de 37 para 93 deputados; sua parceria com o PRO, partido do ex-presidente Mauricio Macri, fará dessa coalizão a principal força minoritária na Câmara, desbancando a Força Pátria. O LLA também triplicou sua bancada no Senado, pulando de 6 para 18 senadores, mas ali o kirchnerismo, mesmo tendo perdido seis senadores, continua sendo a principal força. Ainda mais notável foi o fato de os libertários terem vencido os peronistas em dois bastiões tradicionais da esquerda: a cidade de Buenos Aires e a província de mesmo nome (que não inclui a capital federal), onde vive cerca de 40% da população. No município de Buenos Aires, o LLA elegeu 7 deputados, contra 4 peronistas; na província homônima, venceu por 17 a 16. Outras províncias importantes onde os libertários elegeram as maiores bancadas na Câmara foram Córdoba (onde os kirchneristas saíram zerados), Entre Ríos, Mendoza e Santa Fé.

A eleição tinha um caráter forte de referendo a respeito das reformas econômicas de Milei, iniciadas em 2023. O kirchnerismo havia causado tanto caos na economia argentina que só um choque súbito e drástico poderia surtir algum efeito – reformas graduais já tinham sido tentadas por Macri, entre 2015 e 2019, e não funcionaram. No entanto, as medidas cobraram seu preço de uma população já empobrecida. Milei jamais escondeu que a situação primeiro pioraria para depois melhorar, mas apenas sinceridade não coloca comida na mesa. Ainda assim, os argentinos deram-lhe um voto de confiança, e agora o país começa a colher os frutos na forma de inflação em queda e superávits primários. A quantidade de pessoas abaixo da linha de pobreza, que chegou a 53% no início do mandato de Milei, já caiu 20 pontos porcentuais e está abaixo dos 41,7% registrados no fim do mandato de Alberto Fernández.

A estabilização econômica, no entanto, é tarefa que ainda está longe de ser concluída. Mesmo reduzidos na comparação com a época do kirchnerismo, a inflação e os índices de pobreza seguem preocupantes. O câmbio está muito longe de poder flutuar livremente, o Estado argentino ainda está inchado, faltam muitas reformas a fazer, como a trabalhista e a tributária. A ajuda norte-americana, na forma de um acordo de swap cambial de US$ 20 bilhões com o Banco Central da Argentina para frear a desvalorização do peso, é apenas um socorro temporário. Os eleitores argentinos se viram diante de duas escolhas: permitir que o processo iniciado por Milei continue, ou aplicar-lhe um freio de mão. O resultado importa não apenas porque reforçou a confiança do eleitorado na capacidade de Milei entregar o que prometeu, mas porque criou uma relação de forças bastante interessante no Congresso argentino.

A derrota imposta ao peronismo kirchnerista significa que a esquerda perdeu parte de sua capacidade de impor grandes dificuldades à governabilidade e às medidas mais severas de austeridade. Mas a vitória que o eleitorado deu aos libertários, embora seja suficiente para impedir a derrubada de vetos presidenciais – algo que a oposição conseguiu fazer com certo sucesso no passado recente –, ainda os obrigará a costurar alianças com forças mais ao centro para aprovar a continuação do programa reformista. Milei terá de vencer a tentação de antagonizar todas as demais forças políticas – a ponto de ter acumulado desentendimentos com sua vice, Victoria Villaruel – e dialogar em busca do apoio que falta a seu grupo para ter a maioria. “Tenho de sair e buscar os votos que preciso para implementar essas reformas de segunda geração que são importantes para o povo argentino”, disse Milei em entrevista na segunda-feira. Deixar de arrumar brigas com governadores aliados e partidos centristas será um bom começo.

O populismo de esquerda já tinha sido derrotado na Bolívia após duas décadas de socialismo no poder; agora, sofre uma nova derrota na Argentina. Ainda é muito cedo para descartar de vez uma recaída em 2027, ano em que Milei deve tentar a reeleição, tamanho o efeito da “prisão mental” que o populismo costuma impor às populações. Mas o fato de os argentinos terem, mais uma vez, dado um voto contra o retrocesso econômico, após o susto da eleição provincial de Buenos Aires, serve de alento e esperança de que a Argentina consiga finalmente escapar da gravíssima crise econômica criada pelo kirchnerismo.

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